CAPÍTULO II

DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Seção I

Disposições Gerais

Art. 26.  A cooperação jurídica internacional será regida por tratado de que o Brasil faz parte e observará: 

A Constituição Federal estabelece que um dos princípios a serem observados pela República Federativa do Brasil em suas relações internacionais é a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (Artigo 4º). Dessa forma, a Constituição reconhece que o progresso depende da cooperação. Por sua vez, a cooperação internacional nas mais diversas áreas depende da celebração de acordos internacionais. Nesse sentido, o CPC nada mais fez do que reafirmar o compromisso o Estado brasileiro em observar os acordos internacionais em matéria de cooperação jurídica internacional de que faz parte. Após ratificados e promulgados (Decreto) os acordos internacionais passam a integrar o ordenamento jurídico brasileiro.

I - o respeito às garantias do devido processo legal no Estado requerente;

O devido processo legal é uma garantia constitucional que assegura, dentre outros, o direito à citação válida, direito à prova, direito à audiência, direito ao contraditório e à ampla defesa, direito do réu não ser condenado com base em provas revestidas de ilicitude ou julgado por autoridades incompetentes. O respeito ao devido processo legal no Estado requerente deve ser considerado pelo Estado brasileiro quando for requerida a cooperação passiva (pedido dirigido ao Brasil). Essa postura reafirma o compromisso do Estado brasileiro com os preceitos elementares do Estado Democrático de Direito, que tem no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana sua matriz fundamental.

II - a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos, assegurando-se assistência judiciária aos necessitados;

A igualdade de tratamento decorre do Princípio da Isonomia. O dispositivo assegura a igualdade de tratamento entre nacionais e estrangeiros, residentes ou não no Brasil, em relação ao acesso à justiça e à tramitação dos processos. O Brasil adota o "sistema Inglês" ou "sistema de unidade de jurisdição". Dessa sistemática decorre a o Princípio da Inafastabilidade do Poder Judiciário. Tal princípio nos informa que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário a lesão ou a ameaça a Direito, seja o titular um nacional ou estrangeiro. Os pedidos de cooperação jurídica internacional inserem-se no bojo dessa igualdade. A assistência aos necessitados tem caráter eminentemente humanitário e reafirma o compromisso do Estado brasileiro de possibilitar o acesso à justiça a todos que dela necessitem, seja o requerente nacional ou estrangeiro. Um exemplo dessa assistência é a dispensa de custas para a expedição dos pedidos de cooperação e a realização de versões/ traduções providenciadas pelo Poder Público em prol daqueles que são beneficiários da justiça gratuita, nos termos da Lei 1.060/1950.

III - a publicidade processual, exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente;

Em um Estado Democrático de Direito a regra é a publicidade dos atos e ações do Poder Público. Nos termos deste dispositivo, tal publicidade somente poderá ser restringida quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, na forma da lei brasileira ou da lei estrangeira. Nesse último caso, deve ser considerado que o pedido de cooperação ativa deve ser cumprido conforme a lei do Estado requerido. Sendo o pedido passivo, cabe a autoridade judiciária brasileira deferir o sigilo nas hipóteses legalmente previstas na legislação estrangeira.

IV - a existência de autoridade central para recepção e transmissão dos pedidos de cooperação;

A Autoridade Central é um conceito consagrado no direito internacional. Trata-se de uma entidade designada pelos Estados-partes de um acordo internacional para gerenciar o encaminhamento e o recebimento de pedidos de cooperação jurídica internacional. No Brasil, o papel de Autoridade Central é exercido majoritariamente pelo Ministério da Justiça, por meio do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional - DRCI. Vale observar que o DRCI divide-se internamente para tratar as matérias penal e civil. A Coordenação Geral de Recuperação de Ativos (CGRA) é responsável pelos procedimentos que envolvem procedimentos investigatórios e processos de natureza penal. Na Coordenação-Geral de Cooperação Jurídica Internacional (CGCI) tratam-se dos temas civis como os de família, trabalhista, comercial e qualquer outra matéria que não esteja classificada como penal. A depender do tratado internacional, outras entidades como a Procuradoria Geral da República (SCI/PGR) e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (ACAF/SDH) poderão assumir o papel de Autoridade Central.  Não havendo tratados internacionais, não haverá a figura da Autoridade Central para gerenciar o recebimento e encaminhamento de pedidos de cooperação. Nessa hipótese o pedido é encaminhado pela via diplomática, por intermédio do Ministério das Relações Exteriores, fundamentado no compromisso de reciprocidade. Ainda é importante observar que compete ao Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça (DEEST/MJ) o processamento dos pedidos de extradição ativa.

V - a espontaneidade na transmissão de informações a autoridades estrangeiras.

A espontaneidade quer traduzir a comunicação direta, sem os entraves e os inconvenientes de inerentes de uma tramitação indireta (diplomática). A proposta da figura da Autoridade Central traduz essa agilidade, pois pretende estabelecer um único ponto de contato em cada país para os assuntos relacionados a um determinado acordo internacional. Isso torna facilmente identificável a entidade que deve receber/encaminhar os pedidos de cooperação jurídica. Assim, a existência de entidades congêneres em outros países facilita a troca de informações possibilitando uma cooperação mais efetiva e direta.

§ 1o Na ausência de tratado, a cooperação jurídica internacional poderá realizar-se com base em reciprocidade, manifestada por via diplomática.

A Ausência de acordos internacionais não representa óbice intransponível ao encaminhamento do pedido de cooperação jurídica internacional. É possível que a cooperação possa ser requerida com base no compromisso de reciprocidade. Nesse caso, a tramitação do pedido se fará por via diplomática entre o Ministério das Relações Exteriores e a entidade diplomática congênere do País requerido. O instrumento de cooperação para a formalização do pedido será a Carta Rogatória e deverão ser observados os preceitos contidos na Portaria Interministerial nº 501/2012 do Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores. Interessante notar que, mesmo havendo tratado internacional, se o pedido a ser formulado estiver além do alcance das disposições contidas nesse acordo internacional, uma tentativa poderá ser feita por meio de carta rogatória. O STJ já decidiu que a existência de acordo bilateral ou multilateral de assistência jurídica entre determinados países não exclui, por si só, a possibilidade de se utilizar a carta rogatória como meio ordinário para a prática de atos processuais no estrangeiro (06/10/2014). 

§ 2o Não se exigirá a reciprocidade referida no § 1o para homologação de sentença estrangeira.

A homologação de sentença constitui uma das formas mais tradicionais de cooperação jurídica em sentido amplo, pois ela não se opera pelos canais usuais da cooperação jurídica internacional, tramitados pela via diplomática ou por intermédio das Autoridades Centrais. A homologação depende  uma ação própria a ser ajuizada pelo interessado perante o Superior Tribunal de Justiça. A homologação da sentença estrangeira será proposta pela parte requerente (Art. 216-C/RISTJ), devendo a petição inicial conter os requisitos indicados na lei processual, bem como os previstos no art. 216-D (I - ter sido proferida por autoridade competente; II - conter elementos que comprovem terem sido as partes regularmente citadas ou ter sido legalmente verificada a revelia; III - ter transitado em julgado), e deverá ser instruída com o original ou fotocópia autenticada da decisão homologanda e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira competente, quando for o caso. O compromisso de reciprocidade é formalidade exigida nas cartas rogatórias encaminhadas sem base em acordo internacional específico. Contudo, mesmo que o tratado internacional preveja a utilização de cartas rogatórias (tratados mais antigos dispõem dessa forma, como é o caso daquele firmado com a Itália) o compromisso de reciprocidade deve estar consignado em seu texto em razão do costume internacional.

§ 3o Na cooperação jurídica internacional não será admitida a prática de atos que contrariem ou que produzam resultados incompatíveis com as normas fundamentais que regem o Estado brasileiro.

Essa premissa reafirma a prevalência da soberania brasileira quando do cumprimento dos pedidos de cooperação. Nesse sentido, os pedidos de cooperação somente poderão ser aceitos se não implicarem ofensa à soberania, à ordem pública, às garantias da dignidade da pessoa humana, ao devido processo legal, ampla defesa, contraditório e demais valores essenciais do Estado brasileiro. A homologação de sentença estrangeira e a concessão do exequatur à carta rogatória não serão concedidas se tais preceitos forem violados (art. 216-F do RISTJ).

§ 4o O Ministério da Justiça exercerá as funções de autoridade central na ausência de designação específica.

O dispositivo reafirma o papel majoritário do Ministério da Justiça no gerenciamento do envio e recebimento de pedidos de cooperação jurídica internacional. O modelo segue uma tendência global no estabelecimento de um único ponto de contato entre os Estados, visando possibilitar a fácil identificação dos órgãos responsáveis pela tramitação dos pedidos de cooperação jurídica internacional

Art. 27.  A cooperação jurídica internacional terá por objeto:

I - citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;

II - colheita de provas e obtenção de informações;

III - homologação e cumprimento de decisão;

IV - concessão de medida judicial de urgência;

V - assistência jurídica internacional;

VI - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

O artigo disciplina de forma genérica o alcance dos pedidos de cooperação jurídica passiva. Trata-se de rol exemplificativo, conforme a cláusula de abertura prevista no inciso VI, passíveis de cumprimento desde que não contrariem à lei brasileira (leia-se ordem pública, soberania e dignidade da pessoa humana).

Seção II

Do Auxílio Direto

Art. 28.  Cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil.

O dispositivo trata de cooperação passiva. Ele define que o auxílio direto pode ser requerido sempre que o objeto do pedido não seja o cumprimento de uma decisão emanada por autoridade estrangeira. Ao contrário, quando a medida a ser cumprida decorrer de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira, o instrumento de cooperação será a carta rogatória, que deverá passar pelo crivo do juízo de delibação do STJ. Por juízo de delibação deve ser compreendida a análise do ato decisório emanado de autoridade judicial estrangeira competente, que não ofenda a soberania nacional, a dignidade da pessoa humana e a ordem pública nacional. Caberá o auxílio direto ou "auxílio jurídico direto" quando o ato não tiver cunho decisório, a exemplo da citação, intimação ou a oitiva de uma testemunha.  

Art. 29.  A solicitação de auxílio direto será encaminhada pelo órgão estrangeiro interessado à autoridade central, cabendo ao Estado requerente assegurar a autenticidade e a clareza do pedido.

A Autoridade Central poderá ser o Ministério da Justiça (DRCI/SNJ/MJ), a Procuradoria Geral da República (SCI/GPGR) ou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (ACAF/SDH). Majoritariamente os pedidos serão recepcionados pelo Ministério da Justiça, exceto em seis hipóteses, quando a PGR ou a SDH forem as Autoridades Centrais designadas. A Procuradoria Geral da República será a Autoridade Central receptora em três situações: a) para os pedidos em matéria penal fundados no acordo bilateral firmado entre o Brasil e Portugal; b) para os pedidos em matéria penal fundados no acordo bilateral entre o Brasil e o Canadá; c) para os pedidos encaminhados com base na Convenção de Nova Iorque (ONU, 1965). A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) será a Autoridade Central receptora também em três situações. Para os pedidos fundados a) na Convenção da Haia Sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Haia/1980); b) Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (Haia, 1993) e Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores (OEA, 1989). Ainda, em matéria de adoção internacional, é importante destacar o papel das Autoridades Centrais Estaduais, representado pelas Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção (CEJAs). O dispositivo também informa que a clareza é um requisito essencial para a correta compreensão dos pedidos de cooperação passivos. Além dela, a concisão e a objetividade também são fundamentais ao cumprimento da diligência, cabendo à autoridade estrangeira assegurar a autenticidade do pedido. Como se verá, essa fórmula (assegurar a autenticidade) não foi repetida no Artigo 41. 

Art. 30.  Além dos casos previstos em tratados de que o Brasil faz parte, o auxílio direto terá os seguintes objetos:

I - obtenção e prestação de informações sobre o ordenamento jurídico e sobre processos administrativos ou jurisdicionais findos ou em curso;

II - colheita de provas, salvo se a medida for adotada em processo, em curso no estrangeiro, de competência exclusiva de autoridade judiciária brasileira;

III - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

O auxílio direto é cabível em razão da existência de acordos internacionais. Esses acordos preveem o alcance dos pedidos que podem ser formulados. O artigo 30 nos informa que além dos pedidos passiveis de serem formulados com base nos acordos internacionais celebrados pelo Brasil, outros poderão ser atendidos (previstos nos incisos I e II). Prevê ainda uma cláusula de abertura (inciso III), aceitando qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira. A lei brasileira defere tratamento diferenciado aos pedidos de cooperação passiva com o fim de promover os valores superiores da cooperação entre os povos.

Art. 31.  A autoridade central brasileira comunicar-se-á diretamente com suas congêneres e, se necessário, com outros órgãos estrangeiros responsáveis pela tramitação e pela execução de pedidos de cooperação enviados e recebidos pelo Estado brasileiro, respeitadas disposições específicas constantes de tratado.

O dispositivo somente evidencia uma prática que já é comum na seara da cooperação jurídica internacional entre as Autoridades Centrais e Redes de cooperação, que se traduz no contato direto. Além da comunicação direta com as Autoridades Centrais estrangeiras, as Autoridades Centrais brasileiras também podem manter contato com as Redes de Cooperação (IberRede, CPLP, Rede Hemisférica, entre outras).

Art. 32.  No caso de auxílio direto para a prática de atos que, segundo a lei brasileira, não necessitem de prestação jurisdicional, a autoridade central adotará as providências necessárias para seu cumprimento.

Trata-se de uma característica da tramitação pela via direta (ao contrário da via indireta, por carta rogatória com base na reciprocidade). Os pedidos encaminhados devem tramitar com a maior celeridade possível sob gerenciamento da Autoridade Central brasileira. Logo, sempre que não houver a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, segundo a lei brasileira, a Autoridade Central poderá de imediato dar atendimento ao pedido. Um exemplo desse tipo de atendimento é a prestação de informações acerca do Direito pátrio. Por consequência, quaisquer pedidos de informação quanto ao estágio da tramitação poderão ser prestados de forma mais célere.

Art. 33.  Recebido o pedido de auxílio direto passivo, a autoridade central o encaminhará à Advocacia-Geral da União, que requererá em juízo a medida solicitada.

Compete à Justiça Federal dar cumprimento aos pedidos de cooperação jurídica internacional passivos que não ensejem juízo de delibação pelo STJ. O dispositivo informa que a atividade jurisdicional será provocada pela Advocacia Geral da União, pois é do interesse da União o correto cumprimento dos acordos internacionais firmados pela República Federativa do Brasil. Ainda, também abarca a possibilidade da atuação da AGU no caso do pedido estar relacionado ao sequestro (subtração) internacional de crianças e adolescentes, nos termos da "Convenção Sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Criança" (Haia/1980), Decreto nº 3.413/2000. Vale destacar que, nesse último caso, a AGU pode atuar de maneira articulada com as demais Autoridades Centrais brasileiras (MJ/PGR/SDH) e com o Ministério das Relações Exteriores.

Parágrafo único.  O Ministério Público requererá em juízo a medida solicitada quando for autoridade central.

O Ministério Público em questão é o Ministério Público Federal. Trata-se da atuação para a cobrança de alimentos com base na Convenção sobre Prestação de Alimentos no Estrangeiro (ONU/1965) ou Convenção de Nova Iorque, Decreto nº 56.826/1965. Nesse caso, a Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República (SCI/PGR) também desempenha também o papel de Autoridade Intermediária, a quem compete promover a ação de cobrança ou de execução de alimentos com base nesse normativo internacional. Por isso, melhor seria que o dispositivo tivesse se referido ao Ministério Público também como Autoridade Intermediária.

Art. 34.  Compete ao juízo federal do lugar em que deva ser executada a medida apreciar pedido de auxílio direto passivo que demande prestação de atividade jurisdicional.

Prevê a especialização do Juízo Federal para apreciar o pedido de auxílio direto passivo que demande a prestação de atividade jurisdicional como a citação, intimação, oitivas e interrogatórios. No Paraná, a Justiça Federal possui Varas especializadas na cooperação jurídica internacional em matéria penal e sequestro (subtração) internacional de crianças. 

Seção III

Da Carta Rogatória

Art. 35.  (VETADO).

Razões do veto: ​“Consultados o Ministério Público Federal e o Superior Tribunal de Justiça, entendeu-se que o dispositivo impõe que determinados atos sejam praticados exclusivamente por meio de carta rogatória, o que afetaria a celeridade e efetividade da cooperação jurídica internacional que, nesses casos, poderia ser processada pela via do auxílio direto.”

Art. 36.  O procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal.

O dispositivo reafirma a garantia do devido processo legal consagrado na Constituição Federal, característica do Estado Democrático de Direito. Segundo o comando constitucional, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (Artigo 5º, LV).

§ 1o A defesa restringir-se-á à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil.

Esse dispositivo limita as argumentações da defesa aos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil, vedando-se qualquer análise sobre o mérito da decisão proferida pela autoridade estrangeira.

§ 2o Em qualquer hipótese, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira.

O dispositivo informa que o pronunciamento do judiciário estrangeiro não pode ser objeto de revisão pela autoridade judiciária brasileira. Nesse sentido, somente podem ser objeto de análise os pressupostos formais para o seu conhecimento e cumprimento, ou seja, a análise do mero juízo de delibação. 

Seção IV

Disposições Comuns às Seções Anteriores

Art. 37.  O pedido de cooperação jurídica internacional oriundo de autoridade brasileira competente será encaminhado à autoridade central para posterior envio ao Estado requerido para lhe dar andamento.

O artigo dispõe sobre a tramitação via Autoridades Centrais e traduz a impossibilidade do pedido de cooperação jurídica ser encaminhado diretamente ao Estado requerido pela autoridade judicial brasileira requerente. O encaminhamento à Autoridade Central brasileira (MJ, PGR, SDH) é uma etapa que não pode ser superada. Mesmo quando a tramitação irá se operar pela via diplomática o encaminhamento ao Ministério da Justiça representa uma etapa necessária. Na hipótese de inexistir acordo internacional que dê suporte ao pedido, o Ministério da Justiça (MJ) irá remeter o pedido ao Ministério de Relações Exteriores (MRE), que apresentará o pedido ao Estado estrangeiro. Ademais, nos casos de inexistência de acordo internacional, é prerrogativa do MRE a formalização do compromisso de reciprocidade.

Art. 38.  O pedido de cooperação oriundo de autoridade brasileira competente e os documentos anexos que o instruem serão encaminhados à autoridade central, acompanhados de tradução para a língua oficial do Estado requerido.

A fórmula apresentada neste artigo complementa o contido no artigo 37 com a ressalva de que o pedido deve estar acompanhado da sua tradução no vernáculo estrangeiro. Melhor seria que o dispositivo tivesse se referido à "versão" para o idioma oficial do Estado requerido, ao invés de “tradução”. A título de exemplo, um pedido de cooperação jurídica a ser encaminhado para a Inglaterra deverá estar acompanhado da sua correspondente versão no idioma Inglês. Ao contrário, quando o pedido retorna da diligência trazendo consigo documentos redigidos no idioma Inglês (certidões, despachos ou atestos), deverá ser providenciada a sua tradução para o idioma Português. Os termos "versão" e "tradução" devem ser tecnicamente empregados dessa forma. A versão do pedido no idioma estrangeiro representa uma formalidade essencial ao encaminhamento do pedido de cooperação. A versão só é dispensada quando o pedido houver de ser encaminhado para um dos países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), ou se o pedido for dirigido para a Espanha, somente em matéria cível, acompanhado do Formulário Bilíngue, previsto no Artigo 4º do Convênio de Cooperação Jurídica em Matéria Cível entre o Brasil e a Espanha. Atualmente, a versão que acompanha o pedido de cooperação ativo deve ser oficial ou juramentada (artigo 8º, IV, da Portaria Interministerial nº 501/2012 MJ/MRE). O artigo em análise não exige que a “tradução” (versão) seja juramentada.  Com a entrada em vigor desse dispositivo, resta aguardar qual será a orientação adotada pelas Autoridades Centrais. 

Art. 39.  O pedido passivo de cooperação jurídica internacional será recusado se configurar manifesta ofensa à ordem pública.

Nenhum pedido de cooperação passivo será cumprido se o mesmo representar manifesta ofensa à ordem pública. O dispositivo vai ao encontro do contido no §3º do Artigo 26.Trata-se de previsão comum em normativos internacionais e reafirma o Princípio da Soberania dos Estados. Ordem pública, soberania e dignidade da pessoa humana são pressupostos fundamentais para o conhecimento e cumprimento dos pedidos de cooperação jurídica internacional, sejam ativos ou passivos.

Art. 40.  A cooperação jurídica internacional para execução de decisão estrangeira dar-se-á por meio de carta rogatória ou de ação de homologação de sentença estrangeira, de acordo com o art. 960.

Dispõe que a carta rogatória e a ação de homologação de sentença estrangeira serão os meios adequados para se requerer a execução de uma decisão estrangeira no Brasil. A esse respeito recomenda-se a leitura do TÍTULO VII-A do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.

Art. 41.  Considera-se autêntico o documento que instruir pedido de cooperação jurídica internacional, inclusive tradução para a língua portuguesa, quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de autoridade central ou por via diplomática, dispensando-se a juramentação, autenticação ou qualquer procedimento de legalização.

O dispositivo reafirma o Princípio da Confiança que deve existir entre os Estados na busca de uma cooperação célere e que represente menor ônus para os interessados. Entretanto, contradiz de certa forma o disposto no Artigo 29, que menciona que o Estado requerente deve assegurar a autenticidade do pedido. Nos termos do Artigo 41, para ser considerado autêntico é suficiente que o documento seja encaminhamento pela autoridade central ou diplomática estrangeira, não sendo exigido que a autoridade estrangeira assegure sua autenticidade. O artigo 41 trata apenas da cooperação passiva (pedidos oriundos do estrangeiro para cumprimento no Brasil), dispensando expressamente a juramentação da versão por considerar autêntico o documento de instrução quando encaminhado ao Estado brasileiro por meio de Autoridade Central ou por via diplomática. Contudo, o mesmo pressuposto não vale para os pedidos ativos. Atualmente, os pedidos de cooperação ativa (oriundos do Brasil para cumprimento no estrangeiro) devem ser encaminhados à Autoridade Central brasileira acompanhados da sua correspondente versão oficial ou juramentada no idioma estrangeiro. Talvez a intenção do legislador aqui fosse ajustar o novo CPC aos termos da Convenção da Haia sobre a Apostila (1961), que trata da eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros. Esse normativo internacional foi recentemente promulgado por meio do Decreto Legislativo nº 148/2015, de 06 de julho de 2015. Nos termos desse acordo internacional multilateral, um documento público nacional será reconhecido por todos os países onde a Convenção esteja em vigor. A adesão do Brasil a essa Convenção possibilitará uma significativa redução de tempo e de custos aos cidadãos e empresas nacionais que precisem validar documentos no exterior e a estrangeiros em relação ao Brasil. Atualmente, são 105 os Estados-partes da Convenção da Apostila. 

Parágrafo único. O disposto no caput não impede, quando necessária, a aplicação pelo Estado brasileiro do princípio da reciprocidade de tratamento.

O Princípio da Reciprocidade é a forma de equalização do tratamento nas relações internacionais. Nesse sentido, o Estado brasileiro poderá impor aos outros Estados o mesmo tratamento que receber. Novamente, a Convenção da Haia da Apostila pode ser determinante para o deslinde da questão. A legalização de documentos é necessária para a cooperação jurídica internacional: a) sempre que não exista acordo internacional que a dispense ou b) quando o Estado requerido exigir tal formalidade. Atualmente, são 107 os países membros da Convenção da Haia da Apostila.

 

IMPORTANTE!

O novo Código de Processo Civil nada dispõe sobre a exigência da indicação do nome e endereço completo da pessoa no país de destino responsável pelo pagamento de custas decorrentes do diligenciamento do pedido no estrangeiro. Essa formalidade é atualmente prevista no Artigo 7º, §2º, da Portaria Interministerial nº 501/2012 do Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores, nos seguintes termos:

§ 2º - No caso de cooperação civil, as cartas rogatórias deverão ainda incluir, quando cabível, o nome e endereço completos do responsável, no destino, pelo pagamento das despesas processuais decorrentes do cumprimento da carta rogatória no país destinatário, salvo as extraídas das ações: 

I. que tramitam sob os auspícios da justiça gratuita;

II. de prestação de alimentos no exterior, para os países vinculados à Convenção de Nova Iorque, promulgada no Brasil pelo Decreto nº. 56.826, de 2 de setembro de 1965, nos termos do artigo 26 da Lei nº. 5.478 de 25 de julho de 1968;

III. da competência da justiça da infância e da juventude, nos termos da Lei nº. 8.069, de 13 de junho de 1990. 

Conforme noticia veiculada no informativo “Cooperação em Pauta nº 4/2015”, no dia 29 de maio de 2015, foi entregue ao Congresso Nacional, a pedido do Ministério da Justiça e do Itamaraty, a Convenção de Citação da Haia, cujo nome oficial é “Convenção sobre a Comunicação de Atos Processuais no Estrangeiro de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil ou Comercial”, também assinada no âmbito da Conferência da Haia sobre Direito Internacional Privado. 

Hoje, fazem parte da Convenção de Citação 69 países, dentre eles alguns dos países com os quais o Brasil mais se relaciona na área jurídica, como Argentina, Alemanha, Espanha, Estados Unidos da América, França, Itália, Japão, México e Portugal, além de outros parceiros comerciais relevantes como Canadá, China, Coréia, Índia, Reino Unido e Rússia, entre outros. A lista ainda pode crescer, com a entrada de novos países. 

Com a entrada em vigor da Convenção de Citação da Haia (o que se espera brevemente), o Brasil poderá passar a enviar pedidos de comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações) por meio das autoridades centrais designadas em cada país, sem a necessidade do trâmite diplomático, da legalização de documentos e do pagamento de custas ordinárias, o que também exclui a obrigação da designação de responsável pelas custas no país de destino