Fiscalização das Condições Impostas ao Sentenciado

Os pedidos de cooperação jurídica internacional que tenham por objeto a fiscalização da retidão do réu estrangeiro na observância das condições que lhe foram impostas para o cumprimento em regime aberto, suspensão condicional da pena (sursis), livramento condicional, ou ainda, quando da aplicação de penas restritivas de direitos ou da suspensão condicional do processo, encontram inegáveis óbices ao seu cumprimento quando o réu/sentenciado retorna ao seu país de origem. 

A Convenção Interamericana sobre Assistência Mútua em Matéria Penal (Convenção de Nassau - OEA) e do Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais do Mercosul (Protocolo de São Luís – MERCOSUL), dois dos principais acordos de cooperação penal em âmbito regional, sequer dispõem sobre o assunto.

Consultado, o Ministério da Justiça informou que no ano de 2014 foram tramitados quatro pedidos dessa natureza, havendo três respostas dos países requeridos, todas negativas, em razão de não existir abrangência de tal medida nos acordos internacionais utilizados atualmente. A Autoridade Central justificou o encaminhamento ante a perspectiva de alguma manifestação das autoridades estrangeiras sobre qual seria a melhor forma de tramitação. Informou, ainda, que o único país a se manifestar foi a República do Paraguai, que teria se posicionado pela aplicação do tratado sobre Transferência de Pessoas Condenadas e de Menores sob Tratamento Especial entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo da República do Paraguai (Decreto nº 4443/2002), cuja tramitação deve ser realizada pela via diplomática. Em que pese tal posicionamento, tal informação é temerária, pois a transferência de presos pouco se assemelha a matéria em questão, até mesmo por depender da anuência da pessoa condenada para a realização da transferência. 

Não obstante a controvérsia suscitada, quanto à possibilidade ou não da formulação de tais pedidos, na prática, a análise dos mesmos possibilitou identificar um equívoco comum impeditivo do encaminhamento, qual seja, a ausência da indicação do tempo de duração em que tal fiscalização deveria ser realizada. Os pedidos normalmente se referem à infrações penais praticadas por nacionais argentinos, paraguaios e uruguaios. Apenas um pedido semelhante foi encaminhado para a Polônia.

Portanto, até o momento, o Departamento Judiciário não dispõe de histórico de tramitações suficientes que possam atestar o êxito do cumprimento de pedidos dessa natureza. Diante da inexistência de tratados que disponham especificamente sobre a matéria, recomenda-se que os pedidos que versem sobre a fiscalização de condições impostas ao réu/sentenciado, sejam formulados por meio de Carta Rogatória. A tramitação, nesse caso, irá se operar pela via diplomática com base no compromisso de reciprocidade.

Transferência de Processos

Na Europa, como bem observa o Procurador da República Doutor Vladimir Aras, existe uma forma de cooperação chamada “Transferência de Processos”, que remonta à Convenção do Conselho da Europa firmada em Estrasburgo, em 1972. Por essa Convenção, os Estados renunciariam à sua jurisdição e direito de persecução penal em favor de outro Estado membro, com vista a possibilitar que o processo penal seja instaurado e o julgamento do réu se dê perante esse Estado. A premissa maior é o interesse na administração da Justiça.

O ilustre membro do Ministério Público Federal ainda ressalva que o artigo 8º da Convenção das Nações Unidas contra o Narcotráfico (Convenção de Viena), Decreto 154/1991; o artigo 47 da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção ou UNCAC, na sigla em inglês (Convenção de Mérida), ou o artigo 21 da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, ou UNTOC (Convenção de Palermo), Decreto 5.015/2004, tratam da transferência de processos penais, dispondo o seguinte:

Artigo 8 (Convenção de Viena)

Transferência dos Procedimentos Penais

As Partes considerarão a possibilidade de remeterem-se processos penais que dizem respeito aos delitos estabelecidos de acordo com o parágrafo 1 do Artigo 3, quando se estime que essa remissão será no interesse da correta administração da justiça.

Artigo 21 (Convenção de Palermo)

Transferência de processos penais

Os Estados partes considerarão a possibilidade de transferirem mutuamente os processos relativos a uma infração prevista na presente Convenção, nos casos em que esta transferência seja considerada necessária no interesse da boa administração da justiça e, em especial, quando estejam envolvidas várias jurisdições, a fim de centralizar a instrução dos processos.

Artigo 47 Transferência de processos penais (Convenção de Mérida)

Os Estados Partes deverão considerar a possibilidade de transferirem mutuamente os processos relativos a prática de uma infração estabelecida em conformidade com a presente Convenção, nos casos em que essa transferência seja considerada necessária no interesse da boa administração da justiça, em particular nos casos em que várias jurisdições estão envolvidas, tendo em vista a concentração da ação penal.

O Brasil, apesar de signatário dessas convenções, não firmou ainda qualquer orientação a respeito do assunto. O tema suscita muitos debates, especialmente se considerado o Princípio do Juiz Natural, que traduz a definição da competência antes da ocorrência do fato.