Obtenção de Dados Telemáticos

A utilização da internet para a prática de infrações penais tem sido uma prática cada vez mais frequente. Pedofilia, ameaça, racismo e injúrias são exemplos desses crimes. O anonimato proporcionado pela utilização de avatares no ambiente virtual fomenta a divulgação de materiais ofensivos que causam graves prejuízos aos bens jurídicos individuais e coletivos. Nesses casos, a atividade investigativa reclama o uso de técnicas e conhecimentos diferenciados. Por isso, a imediata comunicação do fato aos organismos policiais é medida eficaz para que se possa, por meio de procedimentos próprios, identificar e inibir a ação delituosa que, não raras vezes, tende a se repetir.

Em situações como essas é possível que os servidores de dados que armazenam o conteúdo objeto da materialidade, ou que registram as informações de acesso do usuário que a praticou, não estejam instalados no Brasil. Não havendo no país escritórios de representação das empresas que administram tais servidores (para onde se possa oficiar a ordem de fornecimento dos dados telemáticos armazenados), é possível encaminhar um pedido de cooperação jurídica internacional para a obtenção dessas informações.

A Constituição Federal garante a inviolabilidade do sigilo de dados. Dessa forma, o procedimento para obtenção dessas informações não pode prescindir da intervenção do Poder Judiciário, a fim de que possa ser instaurado um Pedido de Quebra de Sigilo de Dados Telemáticos, notadamente por representação das Autoridades Policiais. 

Os pedidos de cooperação jurídica internacional extraídos de procedimentos dessa natureza têm como finalidade notificar as empresas ou os responsáveis por servidores de dados localizados no estrangeiro, para que forneçam os registros de uma conexão, endereço de IP, log´s de acesso e dados cadastrais de um usuário da rede que utiliza uma determinada conta em seu domínio.

Para tanto, o pedido deve ser instruído com as informações referentes à localização do servidor de rede, hora de acesso e a especificação do fuso horário e endereço eletrônico utilizado, bem como de quaisquer outras informações de que se disponha. O registro da materialidade por meio da impressão das páginas da internet  também é recomendado e facilita a instrução do pedido.

O instrumento de cooperação jurídica será a Carta Rogatória sempre que não houver acordo internacional de cooperação jurídica em matéria penal. Quando houver, deverá ser utilizado o Auxílio Direto por meio do preenchimento dos formulários de MLAT.

Em qualquer caso, considerando a transitoriedade das informações armazenadas, é recomendável encaminhar um pedido de cooperação policial internacional, via Interpol, para a conservação dos dados telemáticos armazenados enquanto ocorre o trâmite do pedido de cooperação jurídica internacional via Autoridades Centrais. 

Nuciber

NUCIBER - Núcleo de Combate aos Cibercrimes

Rua José Loureiro, 376 - 2º andar - Centro - 80010-000 - Curitiba - PR

41 3321-1900

Interpol

É importante esclarecer que a Organização Internacional de Polícia Criminal/ Interpol pode colaborar no encaminhamento de pedidos de cooperação em matéria investigativa (cooperação internacional policial) para a obtenção de dados telemáticos. Para tanto, pode ser realizada uma consulta ao Escritório de Representação da organização, encaminhando-se o formulário de Auxílio Jurídico Direto ou Formulário MLAT (Mutual Legal Assistance Treaty). 

Nessa hipótese excepcional, tendo em vista a fase investigativa, a cooperação internacional deverá ser representada ao Poder Judiciário, de forma fundamentada, para a expedição do pedido de cooperação jurídica internacional visando à obtenção dos elementos informativos.

 É recomendável que no formulário constem todas as informações pertinentes à investigação em curso no Brasil, evidenciando-se no pedido que a finalidade visa instruir procedimento investigatório (inquérito policial).

Pedido para conservação de informações transitórias

Tanto na cooperação policial internacional, quanto na cooperação jurídica internacional, diante da transitoriedade das informações a serem diligenciadas, é possível o encaminhamento de um pedido para a conservação dos dados telemáticos armazenados em servidores localizados no estrangeiro. Tal requisição tem viés cautelar enquanto ocorre o trâmite do pedido de cooperação jurídica via Autoridades Centrais. Nesse caso, também se recomenda o encaminhamento de consulta à entidade para viabilizar a celeridade do pedido.

Escritório de Representação da Interpol no Estado do Paraná

No Estado do Paraná, o contato poderá ser feito por meio dos seguintes canais de comunicação:

Telefone: +55 (41) 3251-7529

E-mail: interpol.srpr@dpf.gov.br

Pedidos de cooperação dirigidos aos Estados Unidos da América que visam apurar crimes contra a honra

Em relação aos crimes contra a honra perpetrados por meio da internet, é importante destacar a existência de zonas de conflito em relação à proteção de bens jurídicos que revelam incompatibilidade entre os sistemas jurídicos de proteção. Os Estados Unidos da América são um exemplo no que se refere aos crimes contra a honra. Nesse país, os crimes contra a honra, diferentemente do que ocorre no Brasil, raramente são punidos na esfera penal.

Confira-se a seguinte comunicação prestada pela Autoridade Central norte-americana:

"The United States values the cooperative relationship we share with Brazil in fighting crime, and we strive to continue the assistance that our countries provide to one another. Nevertheless, the U.S. Department of Justice cannot assist Brazil in this particular investigation. Under U.S. legal principles, most defamatory statements, such as the ones at issue here, are at most subject to civil action. Furthermore, in certain cases, pursuant to the First Amendment to the U.S. Constitution, free speech principles prohibit any legal restrictions on defamatory statements. Given these fundamental principles, action by the criminal justice system with respect to defamatory statements is rare in the United States. We assure you that this decision was based on u careful analysis of this particular request, including dose examination of the type of speech involved."

"Os Estados Unidos valorizam a relação de cooperação que partilhamos com o Brasil no combate ao crime, e nós nos esforçamos para continuar a assistência de que nossos países oferecem um ao outro. No entanto, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos não pode ajudar o Brasil nessa investigação particular. Nos termos dos princípios legais, a maioria das declarações difamatórias, como as que estão em causa aqui, são, no máximo, sujeitas à ação civil. Além disso, em certos casos, de acordo com a Primeira Emenda da Constituição dos EUA, os princípios de liberdade de expressão impedem a proibição de quaisquer restrições legais sobre declarações difamatórias. Tendo em conta estes princípios fundamentais, a ação da justiça penal com relação a declarações difamatórias é rara nos Estados Unidos. Nós garantimos que esta decisão foi baseada em uma análise cuidadosa do pedido particular, incluindo o exame do tipo de discurso envolvido."

Marco Civil da internet - Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014

A lei estabelece que em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

Dispõe ainda que ao cabe ao administrador de sistema autônomo respectivo a obrigação de manter armazenados pelo período de um ano, sob sigilo e em ambiente controlado e de segurança, os registros de conexão de seus usuários (Artigo 13), prazo esse que pode ser estendido mediante requerimento cautelar de autoridade policial ou administrativa ou do Ministério Público.

Da mesma forma, o provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos, deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 06 (seis) meses (Artigo 15). Apesar de ambas a situações dependerem de regulamentação, trata-se de um avanço na matéria.

Os tratados internacionais também deverão ser observados, uma vez que os princípios expressos na Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio ou relacionados à matéria contida nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Logo, o Marco Civil não afasta a necessidade da cooperação jurídica internacional para a obtenção de informações armazenadas em servidores no estrangeiro.

A requisição judicial de registros deverá observar o contido nos Artigos 21 e 22. A parte interessada poderá, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental u autônomo, requerer ao juiz que ordene ao responsável pela guarda o fornecimento de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet. Esse requerimento deverá conter:

  • fundados indícios da ocorrência do ilícito,
  • justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória,
  • período ao qual se referem os registros.

Caberá ao juiz adotar as providências necessárias à garantia do sigilo das informações recebidas e à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem do usuário, podendo determinar segredo de justiça, inclusive quanto aos pedidos de guarda e de registro.

 

Definições trazidas pelo Marco Civil da Internet

O Marco Civil da internet traz em seu Artigo 5º algumas definições importantes, a saber:

I - internet: o sistema constituído do conjunto de protocolos lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes;

II - terminal: o computador ou qualquer dispositivo que se conecte à internet;

III - endereço de protocolo de internet (endereço IP): o código atribuído a um terminal de uma rede para permitir sua identificação, definido segundo parâmetros internacionais;

IV - administrador de sistema autônomo: a pessoa física ou jurídica que administra blocos de endereço IP específicos e o respectivo sistema autônomo de roteamento, devidamente cadastrada no ente nacional responsável pelo registro e distribuição de endereços IP geograficamente referentes ao País;

V - conexão à internet: a habilitação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela internet, mediante a atribuição ou autenticação de um endereço IP;

VI - registro de conexão: o conjunto de informações referentes a data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de pacotes de dados;

VII - aplicações de internet: o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet; e

VIII - registros de acesso a aplicações de internet: o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP.