COVID-19: Isolamento social e violência contra a mulher


COVID-19: ISOLAMENTO SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Atual cenário favorece a subnotificação das ocorrências

ISOLAMENTO SOCIAL E VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:

A DIFERENÇA ENTRE FATO OCORRIDO E FATO COMUNICADO

 

Priscilla Placha Sá

Desembargadora do TJPR. Coordenadora da CEVID-TJPR

Doutora em Direito do Estado. Professora Adjunta de Direito Penal da UFPR e da PUCR

 

A violência estrutural é um fenômeno que atinge milhões de mulheres e meninas tanto no âmbito internacional, quanto nacional. Eventuais dúvidas de que diferenças socioculturais, econômicas e históricas repercutissem de modo diverso em mulheres e meninas de distintas comunidades ou países, em parte se desfez diante do fenômeno do novo coronavírus: as indicações trazidas por China, Espanha e França, por exemplo – no que concerne ao tema da violência – indicaram que há, além do contágio, também uma mundialização desse fenômeno.

Recomendações de autoridades mundiais, como a ONU Mulheres e o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, assim como no âmbito nacional, via Conselho Nacional de Justiça e Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, dão especial ênfase ao episódio dramático de nossa história recente que juntou a crise sanitária de saúde pública com a violência contra mulheres e meninas.

Não é demais lembrar que, dentre as violências que se colocam em seu grau mais elevado, como feminicídio e estupro, mesmo antes da pandemia da COVID-19, já representavam números impactantes.

Os dados do 13º Anuário da Segurança Pública, último publicado, relativos aos dados de 2018, nos dão conta de que tivemos mais de 1.200 assassinatos de mulheres pelo fato de o serem, representando um aumento de 4% em relação ao ano anterior. Outro dado, no patamar das violências de maior gravidade, trazido pelo mesmo Anuário é a cifra dos casos de estupro que vitimou mais de 66.000 mulheres e meninas, sendo que mais de 50% das vítimas tinham menos de 13 anos de idade.

O mesmo documento informa um progressivo aumento das taxas de lesão corporal em situação de violência doméstica: 263 mil casos.

Assim, diante do desequilíbrio social desencadeado pela pandemia mundial da COVID-19 – cujos impactos refletem, dentre outros fatores, no agravamento do cenário de violência contra as mulheres, bem como em maior dificuldade de acesso ao sistema de justiça e aos demais serviços da rede de atendimento em razão do isolamento -, não poderia deixar de se tornar uma questão central para todo o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - tanto no seu eixo jurisdicional quanto também administrativo - o estudo, a discussão, a gestão e a implementação de medidas que propiciem tanto a continuidade do atendimento dessa matéria quanto o seu incremento.

Medidas essas que começaram a ser geridas desde a primeira semana de teletrabalho no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, ou seja, já em meados de março de 2020.

Preliminarmente, cabe salientar que, em virtude dos fatores supracitados, o atual cenário favorece a subnotificação das ocorrências de violência contra a mulher, fenômeno que se verifica em larga escala em âmbito Nacional e mundial e que se intensificou durante o período de isolamento, uma vez que a permanência em tempo integral ao lado do agressor reduz as possibilidades de a mulher realizar a denúncia. Desta forma, faz-se necessária extrema cautela na análise dos índices de violência contra a mulher registrados durante a pandemia, os quais podem não refletir a realidade. A título de exemplo, no Estado do Paraná, veja-se o quadro comparativo de medida protetivas de urgência, no mesmo período entre 2019 e 2020:

 

Comparação similar foi realizada recentemente, em 16 de abril de 2020, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública analisando os dados de 7 Estados (Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Pará, Mato Grosso, Ceará, São Paulo e Acre) – disponível na nota técnica “Violência Doméstica Durante a Pandemia de COVID-19”. Ou seja, de uma percepção de subnotificação.

No Paraná, outros dados revelam o:

a) Total de processos de violência doméstica instaurados no período de 19 de março a 30 de abril de 2020: 433;

b) Total de casos novos de feminicídio no período de 19 de março a 30 de abril de 2020: 18;

c) Número de medidas protetivas de urgência solicitadas e deferidas no período de 19 de março a 30 de abril de 2020: 2322.

Esses dados, portanto, não indicam, necessariamente, a redução nas ocorrências de violência contra a mulher, considerando-se o fator da subnotificação.

Supõe-se o contrário, que o elevado tempo de permanência em casa (locus da ocorrência tradicional dessas violências) – associado com outros fatores como o abuso de álcool e drogas e o acirramento da crise econômica – configura verdadeiros catalisadores de uma violência estrutural que já vitima milhares de mulheres cotidianamente, implique no aumento dos casos de violência sem que sejam registrados os casos.

A eventual subnotificação pode ser exemplificada, dentre outros, por alguns fatores:

a) desconhecimento de que os serviços de atendimento de violência contra a mulher – no âmbito do sistema de justiça, envolvendo Defensoria Pública, Ministério Público e o Poder Judiciário permanecem integralmente ativos, mesmo que de forma remota;

 

b) desconhecimento de que os telefones 180 e 190 continuam a funcionar ininterruptamente, 24 horas por dia, assim como as Delegacias de Polícia;

 

c) receio de acessar pessoalmente – seja o serviço médico ou policial de atendimento – pelo perigo do contágio;

 

d) ser a única responsável pela prole e não poder se ausentar de casa;

 

e) ser impedida pelo próprio agressor de acessar a terceiros ou às autoridades públicas.

 

Com respeito às providências adotadas para minimizar o impacto da pandemia, no eixo jurisdicional, entre outras medidas, foi expedida recomendação a toda a Magistratura de primeiro grau do Estado a fim de que seja dada atenção especial aos casos de violência doméstica e que se avalie a possibilidade de:

a) prorrogação automática das medidas protetivas já concedidas durante o período de atendimento remoto dos órgãos do Sistema de Justiça, exceto nos casos em que as mulheres requeiram a revogação, como forma de garantir a proteção das mulheres em situação de risco;

 

b) análise do pedido de medida protetiva de urgência mesmo sem o prévio registro policial, tendo em vista tratarem-se de provimentos jurisdicionais de caráter satisfativo e principal;

 

c) adoção de meios de comunicação, notificação e intimação das partes por vias digitais, observando-se as normativas pertinentes, a fim de garantir a um só tempo a eficácia do provimento judicial e dos direitos do contraditório e da ampla defesa”.

 

Também estão sendo adotadas, no âmbito das Comarcas do Estado, medidas com o intuito de garantir celeridade, economia e eficiência na prestação jurisdicional nos Juízos que atendem a matéria atinente à Lei nº 11.340/2006, privilegiando a utilização de recursos e meios tecnológicos para citação, notificação e intimação das partes, especialmente das vítimas.

Ainda, está sendo realizada campanha pela imprensa do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, com o intuito de promover a divulgação de informações acerca dos serviços de proteção e assistência disponíveis e canais de atendimento, bem como a veiculação, em mídias institucionais, de demais conteúdos relacionados à violência doméstica e aos direitos da mulher. Importa, ressaltar, que a campanha é direcionada às mulheres em situação real ou potencial de violência doméstica, aos agressores reais ou potenciais e a terceiros, isso com o intuito de propiciar duas mensagens principais: isolamento social não pode ser sinônimo de violência, nem de violência doméstica e familiar contra a mulher, e que os serviços permanecem ativos e podem ser acessados pela própria vítima ou por terceiros.

Outrossim, estão sendo empreendidas ações conjuntas com o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Polícia Civil, a fim de viabilizar o registro de Boletim de Ocorrência on-line, bem como para esclarecer a população acerca da manutenção dos serviços de atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, por meio do sistema da Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná.

Por fim, cumpre informar que a Secretaria da CEVID e a sua Coordenação funcionam, desde o dia 17 de março, em regime permanente de plantão, no horário de funcionamento do Tribunal de Justiça, bem como todo o serviço judiciário do TJPR, com capilaridade no Estado todo, sendo que cada um dos telefones e e-mails de acesso está disponível no site do TJPR.

Mais recentemente, por meio das redes sociais do TJPR e de seu site oficial, foram concentrados por região do estado os telefones do serviço judiciário buscando facilitar o acesso.

 

Permanecemos à disposição para demais esclarecimentos.

Secretaria e Coordenadoria da CEVID-TJPR.