Juízes conhecem presídio modelo em Piraquara


JUÍZES CONHECEM PRESÍDIO MODELO EM PIRAQUARA

A Unidade de Progressão da Penitenciária Central do Estado oferece uma perspectiva diferenciada para a ressocialização de condenados do regime fechado

Magistrados do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), ligados à área criminal na Comarca de Curitiba, visitaram na tarde de sexta-feira (1/9) a Unidade de Progressão da Penitenciária Central do Estado (PCE-UP), em Piraquara. Ela existe desde novembro de 2016 com o objetivo de oferecer um modelo diferenciado de tratamento penal e preparar os internos para voltar ao convívio social de forma efetiva. 

Representando uma nova ótica aplicada ao sistema penitenciário, é parte das ações do programa Cidadania nos Presídios, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Se tornou realidade por meio da iniciativa do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do Paraná (GMF-PR), em parceria com o Departamento Penitenciário do Paraná (Depen) e com o Conselho da Comunidade de Curitiba.

Estavam presentes o Desembargador Ruy Muggiati, supervisor do GMF-PR; o Juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Junior, da 1ª Vara de Execuções Penais e coordenador do GMF-PR; a Juíza Luciana Fraiz Abrahão, da 5ª Vara Criminal; o Juiz Diego Santos Teixeira, da 14ª Vara Criminal; e a Juíza Flávia da Costa Viana, do 11º Juizado Especial Cível e Criminal. Também conheceram as instalações da unidade os auditores do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) Rosângela Zambruno e Edson Custódio.

Unidade modelo

Os 186 presos atualmente abrigados na Unidade de Progressão trabalham e estudam em tempo integral e recebem um tratamento humanizado, com atendimento médico, assistência jurídica e religiosa. Apenas podem fazer parte desse modelo de tratamento penal os presos com bom comportamento e que não tenham sido condenados por crimes hediondos e por violência contra a mulher. No momento da saída eles podem ser beneficiados com a progressão de regime ou com o livramento condicional. Desde novembro, 50 deles já foram liberados com monitoração eletrônica e apenas dois foram para a Colônia Penal.

Além de 53 agentes penitenciários, ali trabalham profissionais do direito, serviço social e pedagogia, além de técnicos de enfermagem. No presídio 5 canteiros de trabalho de empresas privadas estão em funcionamento, nas áreas de alimentação, porcelanato, confecção de calçados, roupas de bebês e de embalagens. Além disso, existem os canteiros de trabalho da própria unidade, que envolvem barbearia, costura, jardinagem, faxina, manutenção e demais atividades rotineiras.

Esse tipo de tratamento se reflete no clima de distensão que se observa na unidade. Os detentos não são algemados, têm banho de sol diário e as visitas dos familiares ocorrem aos sábados e aos domingos. André*, que trabalha no setor de costura de uniformes para a unidade, está ali desde a instalação da Unidade de Progressão. Hoje em dia ele já participa do treinamento dos presos que iniciam no canteiro de trabalho. Como os outros, ele ganha três quartos de um salário mínimo. A maior parte do valor (80%) é destinada à família e o restante vai para uma conta que pode retirar no momento da saída. “Eu gostaria muito de conseguir um emprego lá fora nesse setor. Eu não imaginava que apesar de tudo que passei na minha vida hoje eu iria estar trabalhando num setor desses. Vou levar esse aprendizado para o resto da vida”, comenta.

Modelo para ser replicado

Segundo o Desembargador Ruy Muggiati, esse tipo de tratamento oferece ótimos resultados. “Ele precisa ser aproveitado como o caminho de transformação para uma nova realidade do sistema penitenciário, onde esteja totalmente eliminado o tratamento degradante e onde as pessoas possam ser resgatadas, reconstruídas e tenham condições de voltar para uma vida digna e responsável como cidadãos”, afirma. O conhecimento desse trabalho por parte dos juízes paranaenses, de acordo com o Desembargador, é importante para mostrar qual é a direção das iniciativas do GMF-PR no âmbito do Poder Judiciário do Paraná, em relação ao sistema penitenciário. “A partir desse modelo, o GMF está empregando todos os seus esforços para que ele seja replicado em todas as regiões do estado”, explica.

Para o Juiz Diego Santos Teixeira, titular da 14ª Vara Criminal de Curitiba, na unidade se concretiza o que a Lei de Execuções Penais pretende, que é a responsabilização aliada à ressocialização. “Diferente das unidades maiores, onde os presos só têm a rotina de sair do cubículo e ir para o pátio, e onde se forma a famigerada fábrica do crime, aqui o preso custeia a sua própria permanência e não fica ocioso." O magistrado, que é Presidente da Comissão Criminal da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), acredita esse tipo de tratamento é mais qualificado e possibilita um combate mais efetivo à violência, garantindo a ressocialização. “Eu fico muito contente e coloco a Amapar à disposição para que juntos possamos ajudar a expandir, e exigir do Estado a migração definitiva para esse modelo”, comenta.

Escritório Social

Também durante a tarde os magistrados foram recebidos no Escritório Social do Paraná pela Diretora Ananda Chalegre, que explicou como a unidade presta apoio aos egressos do sistema prisional. Instalado no bairro Atuba, em Curitiba, o Escritório foi implantado oficialmente no dia 6 de junho, mas desde abril já atendeu mais de 300 egressos, que passaram a ser monitorados com tornozeleira eletrônica. 

Através de parcerias com entidades privadas e órgãos governamentais, o Escritório Social oferece capacitação profissional, oportunidades de trabalho e atendimento psicológico, médico e jurídico aos egressos e a seus familiares.

A unidade faz parte da estrutura da Secretaria de Segurança Pública e é supervisionada pelo CNJ, já que também compõe um dos eixos do programa Cidadania nos Presídios. Além do Paraná, apenas o Espírito Santo dispõe de uma estrutura destinada especificamente para garantir a efetiva ressocialização dos presos que saem do sistema prisional. 

Conselho da Comunidade

As atividades se encerraram no final do dia com uma visita ao Conselho da Comunidade da Comarca de Região Metropolitana de Curitiba, órgão ligado à execução penal e que é responsável por fiscalizar o ambiente prisional e a execução de pena de mais de dez mil presos em penitenciárias e delegacias. 

Como explicou a Presidente do Conselho, Isabel Kluger Mendes, o órgão desenvolve dezenas de iniciativas, nas quais oferece suporte aos detentos, aos egressos e a seus familiares. Entre elas se destacam a doação de materiais escolares para a formação de cerca de 2,5 mil presos da região metropolitana, o fornecimento de passagens de ônibus para ajudá-los a retornarem às suas cidades de origem, a doação de cestas básicas, entre outros.

Dois egressos do sistema prisional, Christian Rafael e Eliana Gomes garantiram emprego por meio da iniciativa do Conselho da Comunidade e contaram suas comoventes histórias aos magistrados. Christian, que está há quatro meses em liberdade, foi para a Fundação Casa em São Paulo aos 13 anos. Depois foi morar na rua e também passou por outros presídios. Encontrou a equipe do Conselho na Colônia Penal Agrícola, onde trabalhava reciclando pneus. “Fui preso e nunca me deram a oportunidade de recomeçar. Se eles não me ajudassem, eu provavelmente não estaria aqui.”

Eliana Gomes, artista plástica, também saiu recentemente da prisão e está sendo monitorada com tornozeleira eletrônica. “Procurei ajuda no Conselho da Comunidade, no Escritório Social e na igreja. Todas essas pessoas me deram a mão para levantar. Eu fiz um projeto e hoje sou funcionária do Museu Penitenciário”, explica. Ela trabalha com a restauração dos prontuários de 20 mil presos, de 1909 a 1979. “Hoje mostro para as pessoas que se você quer, é possível mudar, e dessa vez eu decidi que quero mudar."

*Nome fictício