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História do Judiciário Paranaense – Desembargador Sérgio Arenhart


HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO PARANAENSE – DESEMBARGADOR SÉRGIO ARENHART

Por Desembargador Robson Marques Cury

Um dos mais notáveis integrantes da magistratura da terra das araucárias, a exerceu com brilho durante quarenta e cinco anos até a aposentadoria em 2015. Foi eleito 2º Vice-Presidente na gestão 2010/2011. Jurista emérito, influenciou gerações de magistrados. Apaixonado pelo esporte bretão, ainda hoje é visto jogando futebol no campo da Amapar.

Despediu-se da 6ª Câmara Cível, sala Luiz Viel, em emocionante homenagem, onde foi saudado pelo Desembargador Irajá Romeo Hilgenberg Prestes Mattar, Presidente da Câmara, pelo Desembargador Clayton de Albuquerque Maranhão em nome dos colegas, pelo Desembargador Gilberto Ferreira, pela OAB através do advogado Edgard Cavalcanti de Albuquerque, Pelo Procurador-Geral do Ministério Público Gilberto Giacóia, pelo Corregedor-Geral da Justiça Desembargador Eugênio Achille Grandinetti e pelo Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, no exercício da Presidência, Desembargador Paulo Roberto Vasconcelos.

O seu filho, Procurador Regional da República no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Sérgio Cruz Arenhart, o homenageou em nome da família.

Muito comovido, Sérgio Arenhart disse: “Despeço-me hoje da judicatura, fazendo-o com a alma leve e certo de haver me empenhado até o limite da capacidade para contribuir com a minha parte para o engrandecimento do Poder Judiciário. Todo o tempo de minha atuação, quer em primeiro quer em segundo grau, sempre tive presente a promessa que fiz no ingresso da carreira e depois renovei quando cheguei a esta Corte – a de cumprir com honra e retidão as funções do cargo assumido. E não vai nisso qualquer mérito ou excepcionalidade, senão o mais puro respeito ao princípio básico da nobre missão de julgar...”

E ao encerrar, pediu licença para quebrar o protocolo, entregando a sua toga nas mãos de seus filhos que prosseguem a jornada jurídica, dizendo: “E, daqui para diante queridos filhos, genro e nora, estimada esposa e amadas netas, o meu tempo todo será dedicado a vocês!”

Atendendo a meu pedido, a sua esposa Bianca registra para a posteridade as vicissitudes da família do magistrado no interior do estado.

 

“Aos meus dezesseis anos, conheci Sérgio Arenhart, ainda acadêmico de Direito, em uma tarde dançante na Sociedade Thalia.

Já nas primeiras palavras, ele disse: “Eu vou ser juiz”. Fiquei impressionada com a determinação e a certeza, atributos que o acompanharam para sempre.

Começamos a namorar, ele fez concurso, foi aprovado e passou por várias comarcas do interior do nosso Estado. Muitas cartas tenho guardadas.

Em 1971 nos casamos. E após quarenta dias na Europa – eu queria ir a Roma e ver o Papa – fomos morar em Curiúva, cidade pequena, mas muito acolhedora.

O Fórum funcionava em um grupo escolar e a estrada de acesso tinha muitos atoleiros e em tempos de chuva, nosso carro muitas vezes era socorrido com “junta de bois”, na estrada entre Harmonia e Curiúva.

Sérgio trabalhava o dia todo e eu, um pouco assustada, observava pela janela da casa fechada, os homens que passavam a cavalo, usando grandes capas.

À noite, ainda trabalhando em casa, eu lhe fazia companhia, sempre com uma costura para fazer ou um livro para ler. Não havia bom sinal de TV e lembro que meu pai mandava por carta notícias e informações sobre os capítulos da novela “A Deusa Vencida”, da Rede Globo, minha distração.

Lembro muito bem das pessoas que nos receberam com atenção e carinho na cidade. Paulo Borges, Dr. João Borges – único advogado da cidade – Seu Zeno, nosso vizinho, dona Maninha e Dolores, com quem comecei a fazer as primeiras tarefas de casa.

De Curiúva, além da gentil lembrança, trouxemos a amizade de Gilberto Ferreira, um menino na época, que hoje é respeitado Desembargador Presidente do Tribunal Regional Eleitoral.

Em Curiúva, concebemos nosso primeiro filho, Sérgio Cruz Arenhart, que, nascendo em Curitiba, lá passou seus primeiros meses de vida.

Em 1973, mudamo-nos para Medianeira. A casa continuava sendo de madeira e o Fórum era em um prédio próprio. Quando chovia, também havia atoleiros e as correntes nas rodas do carro facilitavam o ir e o vir para casa, que ficava na estrada em direção a Capanema. A comunicação já era por telefone e nossos passeios para Foz do Iguaçu, Paraguai e Argentina eram uma alegria.

Com a cidade maior, nossos laços de amizade também aumentaram. Nossos vizinhos, os promotores José Caetano Ferreira Neto, Luiz Roberto Pedroso e família, Milton Furtado e Glorinha – querida amiga – e ainda Dona Nadir e Seu José Della Pascoa, Abegail e Sâmara e, em uma estreita convivência, Ricardo Damião, Vanda e família, e Carlos Schneider, todos queridos amigos para sempre.

Sérgio trabalhava muito, o dia todo, e eu já me ocupava de duas crianças, pois em Medianeira concebemos a nossa Bianca Georgia Cruz Arenhart.

Outros muitos amigos faziam parte da nossa família, pois Medianeira é cidade de gente muito boa, alegre, com coração quente, de costume gaúcho, com muito churrasco e boa conversa. Os amigos médicos Eduardo e Arnildo nos socorriam nas febres das crianças.

O comércio era forte e o acesso era fácil para o asfalto em eventuais viagens de 600 km até Curitiba. O calor era intenso e a terra vermelha tingia o pezinho das crianças, denunciando na praia nossa cidade de origem.

Foi um tempo bom, que guardamos no coração pelos amigos que lá fizemos.

Por ter incentivado a criação da comarca, Sérgio guarda com carinho o título de cidadão honorário de Santa Helena. Lembro bem do ramalhete de soja, que recebi na ocasião da solenidade.

Em 1975, mudamo-nos para Bandeirantes, cidade progressista, que foi também muito acolhedora. Trago com saudade os nomes de Dalia e Raul Mioshi – ele pediatra dos nossos filhos, que me ensinou muito; ela, uma querida amiga: uma família maravilhosa. O promotor de justiça, Egberto e Lúcia, o Hermínio e a Lana e ainda Dona Lígia, nossa vizinha, faziam parte do nosso cotidiano com suas crianças. Tudo era motivo de festa.

Muitos são os amigos que cultivamos em Bandeirantes, de modo que seria difícil nominá-los todos. Lá, uma escola APAE, um grupo escoteiro e uma escola de ballet deixaram muitas saudades e marcaram indelevelmente meu coração.

Já em 1982, Londrina e logo depois Curitiba, com casa própria, muitos amigos, muito trabalho, muita correria, muita economia e alguma preocupação (já passada), vieram coroar nossa jornada.

Minha vida com Sérgio tem sido linda e feliz. Com orgulho, vejo que nossos filhos seguiram o bom exemplo do pai, com muito trabalho e dignidade, honrando o nome que receberam.

Sérgio é um homem que viveu para a magistratura e para a família. Foi por duas vezes Vice-Presidente do seu tribunal e dele recebeu a Comenda do Mérito Judiciário, título que guardamos com o maior orgulho e honra.

Nossa família – nossos filhos, nossas amadas netas, Luiza, Gabriela, Rafaela e Maria Eduarda, nossos nora e genro – vive à sombra de um homem que sempre quis ser juiz, inspirou seus filhos e muitos que com ele judicaram.

No amor do nosso lar, nunca pensei que nada poderia ter sido diferente. Tudo valeu muito a pena e hoje, aos setenta anos, olho para Sérgio com o mesmo amor, a mesma confiança e o mesmo orgulho de cinquenta anos atrás. Parece que foi ontem. Faria tudo novamente.”

 

E o seu filho, herdeiro do mesmo nome, recorda do “MEU PAI – JUIZ’:

 

“As lembranças que guardo da trajetória de meu pai no Judiciário paranaense são muitas e muito ricas. Aliás, sem dúvida, essas memórias felizes contribuíram definitivamente para que também eu escolhesse o Direito como missão e uma carreira pública como profissão.

Não me lembro de muitas coisas das primeiras comarcas onde meu pai trabalhou. Porém, guardo lembranças muito alegres de Bandeirantes – uma das últimas comarcas do interior pelas quais meu pai passou e onde passei minha infância. Meu pai, para mim, sempre foi aquela pessoa que conseguia reunir a austeridade e a seriedade com a descontração, a alegria e a bondade. Em Bandeirantes, a imagem do magistrado sério, distante e rigoroso contrastava com um pai brincalhão, bem-humorado e divertido, que gostava de jogar futebol, de fazer churrasco e de cantar música sertaneja.

Lembro bem da rotina que tínhamos naquela cidade. Morávamos na rua Eurípedes Rodrigues, em uma casa de tijolos à vista. Acordávamos cedo e, depois do café, íamos com meu pai para a escola, o Colégio Santa Isabel. Ele ficava ao lado do fórum, de modo que meu pai nos deixava (a mim e minha irmã) no colégio e ia para seu trabalho. Ao meio-dia, ele nos pegava na saída do colégio e íamos para casa almoçar. De tarde, meu pai voltava para o fórum e enfim regressava no final da tarde. Eram tempos bons: brincávamos na rua, tínhamos vários amigos e o grande luxo eram as últimas edições das revistinhas do “Recruta Zero” e do “Pateta”, ou os dias de Circo, que eventualmente passavam pela cidade.

Às vezes, eu acompanhava meu pai até o fórum. Um lugar misterioso e repleto de coisas diferentes. O máximo era quando me deixavam ir à sala do tribunal do júri. Certa vez, até me foi permitido sortear o “conselho de sentença”, embora eu não fizesse a menor ideia daquilo que estava acontecendo. Colecionava selos e, enquanto aguardava meu pai, eu, em uma sala ao lado, perto da pequena cantina que ali havia, punha na água os pedaços de envelopes que ele tinha previamente guardado, para separar o selo do papel. Passava assim tempos naquele lugar, visitando salas, desenhando e fazendo lições de casa; os passatempos, na época, eram bem diferentes da atualidade.

Nos finais de semana, íamos ao clube Guaíra, muitas vezes para o futebol ou para a piscina. Para mim, o espetáculo imperdível era o clássico Time da Justiça (em que jogavam meu pai e diversas outras pessoas ligadas ao Direito) versus o do Tiro de Guerra (os recrutas que prestavam o serviço militar obrigatório). Muito melhor do que qualquer outro evento futebolístico! Nós, as crianças, chegamos até a montar um outro time, o Justiça Mirim, mas acho que o esporte nunca foi a minha praia.

Embora tenha saído de lá com sete anos, ainda guardo com muita saudade todo o tempo que vivi naquela cidade. Não entendia bem em que meu pai trabalhava, mas sabia que ele usava muito uma máquina de escrever verde e que às vezes usava folhas de papel com margem vermelha e um símbolo no topo para alguma coisa importante. Eventualmente, eu era chamado para ajudar a colocar o “papel carbono” entre essas várias folhas e achava o máximo ver que as batidas nas teclas da máquina (manual) acabavam imprimindo várias folhas ao mesmo tempo. A profissão de meu pai, na época, se misturava às minhas brincadeiras e talvez por isso aqueles montes de papel e de livros nunca tivessem soado estranhos para mim.

Já em Curitiba, mais velho, passei a entender melhor a responsabilidade que sempre acompanhou a profissão de meu pai. Essa curiosidade, ademais, seduziu-me – e também à minha irmã – e me fez escolher o Direito também como meu ofício. No ano em que concluí a faculdade, meu pai foi guindado ao Tribunal de Alçada do Paraná e, anos depois, passou a integrar o Tribunal de Justiça. Alcançou a Vice-Presidência da Corte e, em 2015, decidiu aposentar-se, deixando para trás uma carreira imaculada, e fazendo indelével seu nome no Judiciário paranaense.

Ainda hoje, todos os que a ele se referem fazem questão de mencionar o magistrado firme, dedicado, incorruptível e incansável, que tratava com a mesma sabedoria os casos mais simples e mais complexos.

Para mim, no entanto, ele é e sempre foi muito mais do que isso. É exemplo de pessoa, de pai, de amigo e de jurista. É inspiração para minha profissão e também para minha vida pessoal. É uma regra altíssima para os padrões de conduta que sempre almejo alcançar.

Muitos desses padrões aprendi pelo convívio diário com meu pai ao longo de sua carreira. Seu exemplo, muito mais do que suas palavras, é para mim a fonte sempre presente na memória daquilo que eu gostaria de um dia chegar a ser.

Afinal, pedindo licença para uma pequena alteração nas palavras de Kipling, “se és capaz de dar, segundo por segundo, ao minuto fatal todo valor e brilho, tua é a Terra com tudo o que existe no mundo, e – o que ainda é muito mais – és um Homem, meu pai!”

 

E a filha que recebeu o mesmo nome da mãe, e que seguiu os passos do pai na Magistratura Federal, também com orgulho, se compraz em afirmar:

 

“Pediram-me para falar o que a vida de juiz de meu pai e os anos no interior significaram para mim... Isso não é nada difícil. Foram tempos tão bons, tantos exemplos, tantos amigos verdadeiros, que decidi tomar tudo isso como rumo de minha própria vida. 

Digo sempre: metade de mim herdei de meu pai; a outra metade é a tentativa de ser como ele...

Minha mãe sempre me ensinou que, como mulher, eu poderia ser “quem” e “o que” eu quisesse. Meu pai, com toda a sua integridade, grandeza de coração, inteligência e determinação me inspirou a ser juíza. Tento muito ser ele. 

E, quando penso em minha infância, acompanhando as tantas remoções de comarcas que ele teve de acatar em razão da carreira, só tenho boas memórias. Era ele, carregando seus autos de processos nos pesados malotes; debatendo sobre cada vida, cada família ou ser humano ali envolvido com minha mãe, que, carinhosamente, o esperava para o jantar. Com paciência, ela ouvia sobre cada aflição, cada litígio, sabendo - com sua boa psicologia -, que um bom juiz nunca sabe se está mesmo fazendo o melhor; também nunca tem certeza de ter atingido o realmente justo; mas precisa discutir, antes de carregar, sozinho, o fardo da decisão. 

Os presos que ameaçavam nossa família, desde as pequenas delegacias locais; as noites mal dormidas de meu pai, estudando seus processos; nada disso, nunca, me afligiu. Ao contrário, sempre tive muito orgulho de ter um pai que se dedicava com tanto amor e seriedade ao trabalho que escolheu e que alçou com seu próprio esforço. Triste mesmo foi quando o vi atingido por um político sem medidas. Acuado, resistiu, como um verdadeiro homem, a ataques injustos e sórdidos nem sempre contando com a compreensão de alguns de seus pares. Mas, foram outros tempos... já guardados onde deveriam estar e devidamente restabelecidos. 

Na vida do interior, ao contrário, apenas tivemos amigos com paz e alegria em seus corações. Não faltava uma porta para se abrir e nos acolher. Um bom churrasco de Medianeira, o inesquecível “gengis khan” de Bandeirantes. Brincar de patins nas ruas, batizar minhas bonecas, seguir ao colégio, a pé, assoprando como Maria Fumaça! - sim, meu "super pai" nos levava cedo para o Educandário Santa Isabel, brincando, antes de seguir ao fórum.

É claro que as economias eram muitas; shopping center só visitávamos, quando muito, nas férias e na capital. Viagem ao exterior, nunca. Mas era uma delícia conhecer a Bahia, Gramado, Minas Gerais de excursão de ônibus mesmo! Bem do jeito 'meu pai' de ser! 

A gente voltava ao interior e todo mundo era igual. Tinha se encontrado nas mesmas praias, recomeçava as aulas com os mesmos tênis, canetas, camisetas, borrachas... Tudo em uma simplicidade difícil hoje de se encontrar. 

Éramos mesmo muito felizes. E tudo o que construímos foi graças à profissão de meu pai, à dedicação de minha mãe e a esses tempos. 

Que orgulho de dizer que não foi pouco. 

Que orgulho de ter essas origens.

Que orgulho de ser filha do juiz Arenhart.”

 

E eu, com ele muito aprendi aprimorando a arte de julgar, espelhando-me no seu estilo clássico de julgar, interpretando as leis e a Constituição com crítico bom senso, atento ao ser humano jurisdicionado. Tenho profunda gratidão pelo seu bom exemplo. E tive a honra, ao ensejo de sua aposentadoria, em propor ao colendo Órgão Especial juntamente com os demais colegas, a outorga da Comenda do Mérito Judiciário, a mais alta honraria do Poder Judiciário do Paraná.

 

Texto: Desembargador Robson Marques Cury

 

 

Desembargador Sérgio Arenhart