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História do Judiciário Paranaense - Escrivã Judicial Carmen Misurelli Palmquist


HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO PARANAENSE - ESCRIVÃ JUDICIAL CARMEN MISURELLI PALMQUIST

Por Desembargador Robson Marques Cury

Curitibana, completará cem anos de idade em 22 de julho de 2020. Casada em 1939 com Jorge Krebs Palmquist, Advogado do Estado do Paraná que atuou também como Promotor de Justiça. Tiveram três filhos: Luiz Carlos – Médico, Sonia Maria – Bacharel em Direito e Sergio Paulo – Engenheiro Agrônomo e Jornalista. São nove netos, quatorze bisnetos e um trineto.

Indicada pelo então Promotor de Justiça Acir Saldanha de Loyola, iniciou sua carreira pública em 1950 como escrivã do cartório criminal, acumulando o cartório de registro civil da comarca de entrância inicial de Antonina. O então Dr. Juiz de Direito Augusto a autorizou a organizar e preencher os livros de registro civil, pois o anterior escrivão deixava os dados anotados em pequenos pedaços de papel de formatos e textura variados. Em 1953 assumiu como escrivã da 6ª. vara criminal de Curitiba. Em 1978 foi nomeada escrivã da 15ª. vara cível, lá permanecendo até os setenta anos e, mesmo aposentada, continuou trabalhando no cartório enquanto a vista permitiu.

Trabalhou com os Juízes de Direito no Crime: James Pinto Azevedo Portugal, Julio Ribeiro de Campos e Edmar Cordeiro Machado (muito rápido para despachar e julgar); no Cível: Accácio Cambi, Leonardo Pacheco Lustosa, Josué Deininger Duarte Medeiros, Wilde Pugliese, Abraham Lincoln Mehreb Calixto, Lilian Romero, entre outros, inclusive diversos Juízes de Direito Substitutos.

Sua invejável memória lembra que as varas criminais da comarca de Curitiba funcionaram em prédios públicos na Rua Visconde de Guarapuava e na Rua Marechal Floriano Peixoto, depois na Rua Visconde do Rio Branco esquina com Rua Emiliano Perneta e no Palácio da Justiça. As varas cíveis estavam instaladas na Avenida Candido de Abreu.

Nos seus cartórios, muitos familiares estagiaram na idade de começar a trabalhar, como era comum na época, durante curtos períodos de meses. Poucos cursaram Direito. Vicente Del Prete Misurelli hoje é desembargador. O bisneto André Nicolau advogou.

O seu primo Geraldo Castellano Biscaia era advogado, e eu ao iniciar essa brilhante carreira nos idos de 1972 tive a honra de compartilhar seu escritório na Praça Osório.

O seu genro, o Desembargador Lourival Mendes de Souza foi Desembargador em Rondônia. Sempre bem humorada, com ele brincava: “Você é o meu genro mais querido!” ...

“Porque é o único !!”.

Em 1992 o titular da 15ª. vara cível, Juiz de Direito Josué Deininger Duarte de Medeiros, depois Juiz de Alçada,  foi eleito Presidente da Corte, e em seguida Desembargador, me procurou, sabedor da minha fama de trabalhador, para como Juiz de Direito Substituto atender essa vara, pois fora convocado para o Tribunal de Justiça e como estava com o serviço em dia, pretendia quando voltasse encontrar os processos sem atraso.

Eu já conhecia a dona Carmem, minha vizinha de porta de apartamento no Edifício Porto Alegre, e o seu excelente conceito como escrivã. Mas trabalhar com ela foi uma experiência inesquecível. Muito séria, sempre elogiada pelos advogados que falavam comigo, dominava seu mister com maestria. 

Eu manuscrevia todos os despachos e datilografava todas as sentenças. Não contava com assessor nem estagiário. O cartório da dona Carmem não atrasava e eu tampouco, trabalhando oito horas diárias, de manhã e de tarde, mantinha a forma física caminhando de casa para o trabalho e vice-versa. Dona Carmem também.

Seu dileto sobrinho, o Desembargador Vicente Del Prete Misurelli, orador e poeta nato, acerca dela rememora:

“Vae longe o tempo, mas minha memória não está sofrida.

Quando leio o passado, vejo, nitidamente, que a presença de minha Tia Carmen se encontra marcada em minha’lma. E sempre ela na vida de todos. Ninguém jamais passou desapercebido. Sempre atenciosa, oferecendo atenção e amparo a quem precisasse.

Minha vida afetiva com ela nasceu ali na Rua Lamenha Lins, onde por muitos anos residiu. A vida afetiva de dezenas de sobrinhos foi gerada ou aprimorada em sua casa. Depois dos pais, ou mesmo sem eles, Carmencita, amorosamente chamada por todos, recolheu, amparou, educou, alimentou, instruiu dezenas de sobrinhos.

Não há sobrinho que não a visitasse e subtraísse uma lata de leite condensado da dispensa. Ela tudo sabia. A inteligência, sabedoria e excelente humor, características próprias.

As ceias de Natal, sempre na sua casa. Era como se Papai Noel efetivamente existisse e, na casa dela, ele usava saia.

Ali na Lamenha Lins, criança, conheci os estudantes Lourival Mendes de Souza, à época namorado de sua filha Sonia, futuro genro e desembargador. De igual conheci a Milani de Moura, Paulo Hapner, Nerio Spessato Ferreira e Waldemir Luiz da Rocha, uns da própria Lamenha Lins, outros do interior, pela gentil rua, morando para estudar. O tempo a todos lhes agradeceu com a carreira no Poder Judiciário.

Graças à minha querida Tia Carmen, é que fui direcionado ao Direito. Por primeiro me orientou a fazer a Escola da Magistratura, quando de sua 2ª. turma. E do contato com ela e das visitas ao Cartório Criminal, conheci o juiz Dr. Edmar Cordeiro Machado, e o Promotor Público, Dr. Rui Cunha, e também o Dr. Walter Borges Carneiro, advogado à época.

Já na 15ª. Vara Cível, o Desembargador Accácio Cambi era o titular, pessoa a quem vim assessorar no Tribunal de Alçada, sabidamente por obra de minha Tia. O caráter, o trabalho voltado ao justo, por magistrado tão nobre, marcou, definitivamente, meu amanhã. Hoje integro o Tribunal de Justiça do Paraná, com exemplo a seguir e gratidão a não negar.

Ali, ainda no Cível, minha querida Tia, me apresentou Josué Duarte Medeiros, Leonardo Lustosa, Carlos Vitor de Maranhão Loyola, e Wilde Pugliese, a quem a eles oferecia respeito e carinho materno. E tantos os funcionários do Cartórios recebidos e orientados por ela. Hoje, Irajá Pigato, é Juiz Substituto em Segundo Grau, de nosso Tribunal.

Minha Tia sempre foi assim, gentil, educada, preocupada, amparadora, mais que Tia, mãe de todos, sem jamais, interferir, mandar, ou omitir-se. E, é por isso que por determinação divina encontra-se conosco, filhos, netos, bisnetos, trineto, sobrinhas, sobrinhos, funcionários, ex-funcionários, amigos, conhecidos, ouvintes, todos leitores de sua história.

Sim, são centenas e centenas de pessoas, nenhuma anônima, nenhuma esquecida, testemunhas da caminhada lúcida e generosa de seus 100 anos de plena existência para o amor e para o bem.

Quando a noite se torna escura, muita escura, quem sempre nos ilumina, é a querida, amada, TIA CARMEN.

A história mais fantástica e verdadeira dos últimos cem anos. A grafia do amor e da amizade oferecida a muitos, de forma gratuita. Sempre tirou da tristeza, a oferta da alegria. Na solidão vista em outro, a oferta necessária da solidariedade. Uma vida a ser elogiada”.

É a homenagem desse sobrinho de sangue e filho por afinidade pelo ideal comum de Justiça.

Muito pode ser dito sobre o Desembargador Vicente Del Prete Misurelli. Viajante inveterado, percorreu os quatro cantos do mundo. Assim sintetiza essa vida: PASSOS DADOS. FACES VISTAS.

‘As faces, os rostos, quando vistos em sua formação mais límpida oferecem, além da epiderme marcada, os sulcos dos caminhos percorridos.

Olhos de entrega da profundidade d’alma conhecida.

Nas rotas do mundo, por caminhos desconhecidos, em fugas programadas, afasto-me da rotina que se mostra perigosa. Aproximo-me da vida. Vida tocada e ouvida. Sentida.

Mapas, apontamentos, bússolas a indicar o encontro com tantas existências. Vidas que se mostram a ensinar em olhares percebidos. Sorrisos esperados. Lágrimas respeitadas.

Do Alasca à Antártica, da Ilha de Páscoa ao Vale do Rio Omo, na Etiópia, enfim, em todos os continentes, o que tenho por acrescido é a experiência de tantas humanidades.’

Assim, resumiu seu depoimento à Toga e Literatura, Revista Cultural da Amapar, junho de 2010, com toda essa sensibilidade, herdada também da sua tia dona Carmen, sem qualquer dúvida.

O que mais se pode dizer dessa escrivã judicial, prestes a comemorar seu centenário.  Poucos recebem essa dádiva divina, diante da missão terrena cumprida a contento. Exemplo imorredouro de amor e dedicação ao ofício da escrivania judicial. Bendizemos à sua existência.

Por Desembargador Robson Marques Cury.