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História do Judiciário Paranaense - Des. Munir Karam


HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO PARANAENSE - DES. MUNIR KARAM

Por Robson Marques Cury

Um dos ícones da história recente do nosso judiciário, o Desembargador Munir Karam destacou-se na magistratura de primeiro grau, mas foi no Tribunal de Alçada onde alcançou o apogeu, sobressaindo-se na área cultural, especialmente na presidência do Centro de Debates, Estudos e Pesquisas (CEDEPE), oportunidade em que os Juízes de Alçada foram reconhecidos e valorizados nacionalmente.

Cumpre-me apresentar a íntegra do seu depoimento prestado ao Projeto Memórias, organizado por Luiz Carlos Martins:

 

“Nasci em Curitiba, na rua XV de novembro, em uma casa modesta, nas proximidades com o cruzamento da Rua Mariano Torres, em 16 de julho de 1937, sendo filho de Jorge Manoel Karam e de Mary Mahfuz Karam.

Fiz o curso primário na Escola de Aplicação Anexa ao Instituto de Educação. Minha primeira professora foi D. Palmira. Mas ainda me recordo da Miss Isolde, Prof. Adelaide e da Prof. Zoe Grandinetti, ainda viva.

Cursei o ginásio no Col. Santa Maria, o clássico no Estadual, juntamente com a Escola Técnica do Comércio anexa à Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná.

Iniciei-me na política estudantil no Colégio Estadual, onde fui eleito orador do CECEP, na Chapa Progresso, então presidida pelo Rafael Latauro. Em seguida, elegi-me orador da UPES, na gestão de José Augusto Ribeiro e o sucedi na presidência da entidade.

Na política secundarista o nosso guru era o Norton Macedo Correia, que desde os nove anos de idade se tomou de curiosidade pela política local e nacional. Além dos nomes citados destacaram-se o Luiz Augusto Fayet, João Olivir Gabardo, Cândido Martins de Oliveira, Adolfo de Oliveira Franco Filho e Maury Furtado.

Fiz vestibular e ingressei na Faculdade de Direito da UFPR em 1958. Turma excelente, que haveria de dar seis Desembargadores: Antônio Lopes de Noronha, Fernando Vidal de Oliveira, Ângelo Zattar, Acácio Cambi, Luiz Viel e eu. Vários Procuradores como Joselita Becker, Benito Ítalo Pierre, Iara e Dirceu Carneiro. Políticos, juristas, administradores como Maurício Fruet, Clemerson Teixeira, Nabor Morais Silva Neto, Rui Correa Lopes, Heron Arzua e Edgar Cavalcanti.

Continuei militando na política universitária, sendo eleito orador do CAHS ainda no primeiro ano, depois Presidente do PAP e Presidente do CAHS, quando no terceiro ano, o que era fato inédito. Sucedeu-me o Noronha e quebramos mais uma escrita com a mesma turma elegendo dois Presidentes do CAHS.

Neste período, aconteceram coisas importantes na história do país, como a renúncia do Presidente Jânio Quadros. Os militares não desejavam em nenhuma hipótese a posse do vice João Goulart. O CAHS se mobilizou e liderou a campanha pela Legalidade. Chegamos a instalar um serviço de som na Av. João Pessoa na sacada de um prédio pertencente a Pretextato Taborda Filho, o Tatinho. Houve ao final uma solução de compromisso com o Jango assumindo no regime parlamentarista. Realizamos ainda O Julgamento de Otelo, no Teatro Guaíra em construção, tendo na acusação Vieira Neto e na defesa Araujo Lima. Paulo Autran haveria de personificar o réu. Após 50 anos reeditamos o evento, com Técio Lins e Silva na acusação e Jacinto Coutinho na defesa do mouro shakesperiano, que foi absolvido nas duas ocasiões.

Era tempo também dos grandes eventos culturais e trouxemos a Curitiba grandes nomes de juristas e políticos como Pontes de Miranda, Nelson Hungria, Orlando Gomes, Alfredo Buzaid, Fernando Ferrari, Carlos Lacerda, Mozart Russomano, Helio Gomes, Josué de Castro, Darcy Ribeiro e Oscar Dias Correa.

Na política estadual, o povo estava desiludido com o governo Lupion, que abandonou o Estado, se mudando para o Rio de Janeiro. Formamos um comitê estudantil para apoiar o candidato da oposição, Ney Braga. Sabíamos que a eleição era difícil, mas valia como protesto. Naquela época o movimento estudantil tinha muita força política. O prematuro desaparecimento de Souza Naves e a dobradinha com Janio Quadros, pavimentaram o caminho de Ney ao Palácio Iguaçu.

Formado em dezembro de 1962, desembarcava em Campo Mourão em janeiro de 1963, para trabalhar no escritório de advocacia de Armando Queiroz de Moraes, que havia sido eleito deputado estadual, no primeiro mandato de Ney Braga. Aí senti como foi difícil cortar o cordão umbilical. Sair do lar paterno, com todas as mordomias, o apoio do pai, o carinho da mãe, para me aventurar em plagas distantes.

Hospedei-me em um modesto hotel de madeira, Hotel Paraná. Não havia água encanada, a energia era cortada às 23 horas, as ruas eram todas de barro. Mas uma gente muito trabalhadora, uma região muito pujante, que baseava sua economia na indústria madeireira. A cidade era cercada por manchas de pinheirais. O pinheiro, símbolo do Paraná, é uma árvore excepcional: leve, resistente e explorada em grandes quantidades. As jamantas saíam carregadas de tábuas para Brasília e para as usinas da CESP em São Paulo.

Vieram as eleições municipais e precisávamos aproveitá-la para transformar a cidade. O Dr. Armando Queiroz convidou, insistiu e convenceu um advogado local, que tinha a maior banca da região, a ser candidato: Milton Luiz Pereira.

Após uma campanha muito bem disputada com Ivo Trombini, Milton teve uma bela vitória e fez uma administração exemplar, que levou Campo Mourão a conquistar o título de Município Modelo do Brasil.

A Copel construiu a Usina Mourão I, foi edificado o Colégio Estadual, feita a ligação pavimentada com Maringá, fundada a Coamo e tantas outras conquistas.

Milton Luiz Pereira seguiu carreira na magistratura federal, ascendendo a Ministro do STJ. Sua memória ainda é inspiração para todos aqueles que alimentam aversão pela injustiça, pela imoralidade e pela violência.

Fui Procurador Judicial na gestão do Milton e Diretor da CODUSA empresa de economia mista por ele fundada.

Em 1968, fui o primeiro Vice-Prefeito eleito em Campo Mourão, na Chapa do então candidato a Prefeito Horácio Amaral.

 1970 foi um ano muito especial em minha vida, porque em janeiro me casei com Vera Lucia Collodel Silveira Karam, que foi o grande amor da minha vida, em setembro nascia minha filha Fabiana, que seguiu meus passos na carreira e, em novembro, era aprovado no Concurso da Magistratura e tomava posse no cargo de Juiz de Direito da Comarca de Goioerê. Fabiana me deu um neto, Giovanni, que é a alegria da minha vida.

Reservei a Campo Mourão os anos mais vigorosos e viçosos da minha vida. Uma das coisas que ali mais me gratificaram foi o magistério. Professor durante oito anos do Colégio Comercial, fui escolhido por sete vezes como paraninfo.

A judicatura em Goioerê foi um grande desafio porque era uma região isolada e permeada pela violência. A ordem se mantinha apenas pela autoridade moral do juiz. Ali judiquei durante seis anos, sendo promovido a Cascavel e, na sequência, a Maringá, onde permaneci por doze anos até ser removido a Curitiba.

Na judicatura de Maringá, dois programas sociais muito me gratificaram. Recolhemos os meninos que perambulavam pelas ruas, para dar-lhes uma atividade condigna à sua formação, em centros comunitários desportivos e profissionalizantes. Construímos também um centro de recuperação para meninas delinqüentes, que denominamos Lar Educacional Betânia.

Ainda em Maringá fui aprovado para lecionar no curso de Direito da UEM (Universidade Estadual de Maringá). Fiz curso de especialização em processo civil e direito civil, cadeiras lecionadas pelos eminentes Professores Moniz de Aragão e Lamartine Correa de Oliveira. Fiz também curso de especialização em direito Romano na Universidade La Sapienza em Roma, coordenado pelo Professor Pierangelo Catalani.

Em 8 de novembro de 1989 fui removido de Maringá para Curitiba, a princípio como substituto e, depois, como titular da 8ª. Vara Cível.

Em 26 de fevereiro de 1991 fui convocado pela primeira vez para substituir o então Juiz de Alçada Onésimo Mendonça de Anunciação, na 3ª. Câmara Cível.

Em 25 de novembro de 1991 fui convocado para substituir o meu saudoso e inesquecível amigo Des. Ivan Ordine Righi na 1ª. Câmara Cível do Tribunal de Justiça.

Em 4 de abril de 1994, ascendia como Juiz do Tribunal de Alçada, compondo a sua primeira Câmara Cível.

Inesquecível para mim foi a passagem pelo CEDEP, Centro de Estudos do Tribunal, como seu primeiro presidente, onde tivemos a oportunidade de realizar tantos eventos jurídicos. Dentre eles destaco a Revista Julgados do Tribunal de Alçada do Paraná, bem como diversos Congressos como o Fórum Jurídico de Foz do Iguaçu em homenagem ao Prof. Rubens Requião, o Fórum Jurídico de reforma do Código Civil em Curitiba, o Encontro de Juízes da Costa Leste em Foz do Iguaçu e o Fórum Jurídico de direito privado, em homenagem ao Ministro Ilmar Galvão, também em Foz. Nestes eventos participaram eminentes conferencistas e Ministros do STF como Moreira Alves, Carlos Mario da Silva Velloso, Sydney Sanches, Ilmar Galvão e Gilmar Mendes.

Finalmente, em 22 de novembro de 2002 era empossado como Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná, na vaga do estimado amigo Desembargador Altair Patitucci.

Participei da Comissão Especial, presidida pelo Desembargador Marino Bueno Brandão Braga, que organizou os festejos do Sesquicentenário da Emancipação Política do Paraná, editando uma obra sobre Memória e Atualidade do judiciário paranaense.

Na gestão do saudoso Desembargador Oto Sponholz, coube-me presidir a Comissão que organizou os festejos e retrospectiva histórica das Comarcas que completavam o seu cinquentenário, como Imbituva, Astorga, Uraí, Pato Branco e Paranavaí. 

Fui um dos membros fundadores da Academia Paranaense de Letras Jurídicas, ocupante da cadeira no. 9, que tem como patrono Elias Karam, sendo eleito seu presidente para o biênio 2015/2016, em cuja gestão consegui a sede própria e lancei uma das edições do Concurso Nacional de Artigos Jurídicos.

Aposentei-me na compulsória, em 16 de julho de 2007. Deixei o meu gabinete zerado, sem nenhum processo para relatar, revisar ou despachar. Requeri uma certidão que assim o atestasse. Quando fui retirá-la, fui surpreendido com a notícia de que o Presidente do Tribunal, Desembargador Vidal queria falar comigo. Em seu gabinete, ele me surpreendeu, ao me entregar em mãos a certidão e documentar o fato com fotografia e divulgação, dizendo que considerava um fato muito importante, que deveria ser realçado, pois o judiciário nem sempre destacava as boas notícias.

Em dezembro de 2007, fui convidado pelo Governador Roberto Requião para ser membro integrante do Conselho de Administração da Copel, tomando posse em fevereiro de 2008. E, em junho deste mesmo ano, ainda a convite do Governador Requião, assumi a presidência do Conselho Diretor da Paraná Previdência, onde já representava o judiciário desde a sua fundação, em dezembro de 1988.

Mantive a mesma política dos meus antecessores e entreguei o cargo com o maior Fundo de Previdência do país, com ativos líquidos e rentáveis, superiores a seis bilhões de reais.

É sempre gratificante, no outono da vida, reviver esta jornada. São lembranças plenas de tantas alvíssaras e de tantas saudades. Sempre acreditei nos meus ideais. Aprendi, preguei e agi para fazer Justiça, porque sem justiça é impossível a vida, porque ela é a especial manifestação do Direito na segurança, na liberdade e na igualdade.” 

 

Assim encerra o nosso insigne jurista, que participou de dezenas de Congressos de Direito Estaduais, Nacionais e Internacionais. Obteve premiação com as seguintes obras: Novos Tipos no Código Penal; Do ônus da prova no Processo Civil brasileiro – 1979; Teixeira de Freitas e o processo de codificação do Direito Civil brasileiro; e A família, o direito e o Estado no limiar do século XXI - 1991. Publicou aproximadamente quarenta artigos sobre Direito do Seguro e outros temas de Direito. Diversos são os verbetes de sua autoria publicados na Enciclopédia Saraiva do Direito.

Tive o privilégio de com ele trabalhar no Tribunal de Alçada e no Tribunal de Justiça. Aprendi muito com o seu exercício compenetrado, sereno, responsável da judicatura, que não se compadece com a aplicação fria de leis e teorias, mas deve embeber-se de sentimento, de sabedoria, de equidade, de justiça, enfim, que é o ideal de todos os que se dedicam à ciência do direito. Virtudes apregoadas pelo Professor Egas Dirceu Moniz de Aragão ao saudá-lo em nome da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção do Paraná por ocasião da sua posse como Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná.

Escreveu os seguintes livros: Novos Tipos Penais – São Paulo: Sugestões Literárias, 1975; Estudos de Filosofia do Direito (uma visão integral da obra de Hans Kelsen) – São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985 (em colaboração com Luiz Régis Prado); O julgamento de Otelo – Curitiba: Imprensa da Universidade do Paraná, 1962. (Prólogo aos discursos de acusação e defesa, a cargo de Vieira Neto e Araújo Lima, respectivamente).

Admirador inconteste de Hans Kelsen. Também influenciou decisivamente a sua formação jurídica o civilista baiano Teixeira de Freitas.

Ao discursar na sessão magna do dia da justiça, quando da entrega simbólica da edição do sesquicentenário, proferiu uma ode ao PARANÁ, enfatizando se tratar do meu Estado e o Estado de tantas gentes!

“O Paraná, que nós amamos, que tem como característica expandir fronteiras, avançar, superar limites, pôr-se entre os primeiros.

Um Paraná que é como o rio que o batiza, forte, impetuoso.

Um Paraná que é como a terra que o rio fertiliza, generosa, acolhedora.

Um Paraná que é como o povo que o habita, trabalhador, criativo, empreendedor.

Paraná, nascemos para te conhecer, te amar e te servir."

 

Fabiana Silveira Karam, Juíza de Direito Substituta em 2º. Grau, filha do Desembargador, “ab imo pectore”, discorre:

“IMPRESSÕES DE FILHA...

Em meio a uma infância simples e feliz, nascida no interior do Paraná, cresci vendo a profissão de juiz como uma atividade trabalhosa e, eu diria, despida de qualquer vaidade. Aos olhos de uma menina de nove anos, na linda Cidade Canção, o fórum da comarca parecia gigante, quando alegremente acompanhava meu pai, que lá comparecia, mesmo em finais de semana. A praça, o estacionamento, as árvores frondosas, e aquela porta lateral, que se abria ao tilintar do molho de chaves que meu pai levava consigo.

A cena já era rotineira aos meus olhos de criança. Fui crescendo, e a mim natural parecia, bem assim, que meu pai levasse para a praia, em que passávamos uma única semana no verão, a máquina de escrever e pilhas de processos que avolumavam o porta-malas. Vínhamos os três ao litoral, pais e filha. Minha saudosa mãe Vera Lucia sempre o apoiou, incentivou, e também, sem dúvidas, realizou-se ao lado do marido que galgava os degraus inerentes à carreira.

Fui crescendo, e continuei a ver a Magistratura como uma profissão séria, laborosa e nobre.

A menina curiosa cursou Direito e participou de um júri simulado na querida UFPR. A vocação surgia, e se tornava marcante em mim. Sim, eu queria seguir os passos do homem probo que tenho a alegria e a honra de chamar de pai.

Brilhante sendo extremamente simples, erudito sem ser vaidoso, ilustrado em língua latina sem sequer revelar. Este é o Juiz, Magistrado, Desembargador aposentado Munir Karam. Ao mestre, com carinho.”

 

Desembargador ROBSON MARQUES CURY