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Nota de esclarecimento da 1ª Vice-Presidência do TJPR


NOTA DE ESCLARECIMENTO DA 1ª VICE-PRESIDÊNCIA DO TJPR

“Diante da afirmação feita pelo eminente Desembargador José Maurício Pinto de Almeida na introdução da decisão concessiva do habeas corpus n. 0016667-45.2020.8.16.0000 – no qual era pedida, resumidamente, a revogação da proibição ditada pelo ilustre Prefeito Municipal de Guaratuba de acesso às praias por parte dos cidadãos em geral – cumpre à 1ª Vice-Presidência deste Tribunal tecer algumas considerações, com o escopo de prevenir ou corrigir mal-entendidos.

Em sua decisão, antes de tratar do caso concreto, consignou o ilustre Desembargador que a 1ª Vice-Presidência, na pessoa do Desembargador Coimbra de Moura, ao apreciar requerimento de distribuição do habeas corpus n. 0015492-16.2020.8.16.0000, admitiu a competência do Tribunal de Justiça do Paraná para apreciar pedidos de habeas corpus impetrados para o combate de decisões de chefes de Poder Executivo municipal limitadoras do direito de ir e vir dos cidadãos. 

Equivocou-se o nobre magistrado, data venia.

De início, cumpre lembrar que a imparcialidade é um dos pilares da jurisdição, traduzindo-se no direito do cidadão de ter sua causa julgada por um juiz isento, vale dizer, que não tenha opinião pré-constituída ou interesse em que o resultado seja favorável a um dos litigantes. E, para garantir que esse princípio seja respeitado, determinam as leis que, como regra geral, onde haja mais de um juiz com a mesma competência material, os processos sejam distribuídos aleatoriamente entre eles – vale dizer, por sorteio. Com isso, evita-se que a) um juiz receba mais processos do que outro; b) o juiz escolha as causas que vai julgar, privilegiando umas em detrimento de outras; c) uma das partes no processo, conhecedora do posicionamento do magistrado acerca de determinada questão jurídica (isso por conta de pronunciamentos dele em processos análogos), enderece sua causa a ele, de modo a obter decisão que lhe seja favorável; d) haja conluio entre o juiz e a parte, possibilitando que ambos combinem previa e ilegalmente o resultado da causa. 

A distribuição de ações originárias e recursos, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, é feita eletronicamente, mediante programa de computador que utiliza algoritmos para reparti-los aleatoriamente entre os vários Desembargadores, respeitadas as competências regimentais de cada qual e regras específicas, a exemplo da de prevenção. Por força do que estabelece o artigo 15, § 3º, I do Regimento Interno do Tribunal, cabe à 1ª Vice-Presidência supervisioná-la, zelando para que não seja burlada.

Cumpre esclarecer que a distribuição de um processo ou recurso é ato de natureza essencialmente administrativa, traduzindo-se em procedimento burocrático de recepção, cadastramento e remessa ao órgão do Tribunal encarregado de julga-lo. Assim, e por exemplo: tratando-se de uma ação ou recurso cível, a distribuição dar-se-á entre as dezoito Câmaras Cíveis e os respectivos Desembargadores que as integram (90 no total), respeitada a competência regimental de cada um (tributária, direito público, família e sucessões, dentre outras). Tratando-se, por outro lado, de ação ou recurso criminal, a distribuição será feita entre as cinco Câmaras Criminais e os respectivos Desembargadores (25), observada, também aqui, a competência material de cada uma definida em regimento.

A 1ª Vice-Presidência, quando determina a distribuição de uma ação ou recurso protocolada no Tribunal, pratica, repita-se, um ato administrativo – o de encaminhar para a 1ª Câmara Cível um feito de natureza tributária, ou para a 12ª Câmara Cível um recurso onde se discuta direito das sucessões, ou de remeter para a 1ª Câmara Criminal um recurso extraído de ação penal que verse sobre crime doloso contra a vida. Todavia, ao fazê-lo, não está a admitir – até porque não é de sua alçada – que a competência para o julgamento é, realmente, do Tribunal de Justiça. Caberá ao Desembargador sorteado, no exercício da função jurisdicional, declarar-se competente ou não para o conhecimento do pedido.

À perfeita compreensão do que foi dito, considere-se a seguinte hipótese: um servidor público municipal, considerando ilegal a sua demissão, porque não precedida de processo onde lhe fosse assegurado o contraditório e a ampla defesa, impetra mandado de segurança contra o prefeito, objetivando a desconstituição do ato; equivocadamente, porém, ajuíza o writ no Tribunal de Justiça, embora a Constituição do Estado do Paraná não atribua a este competência originária para o julgamento da causa, donde, por exclusão, caiba ao juiz da própria Comarca julga-la. Numa situação assim, a despeito da flagrante irregularidade na escolha da instância jurisdicional, deverá a 1ª Vice-Presidência limitar-se a distribuir o mandado de segurança entre as Câmaras Cíveis competentes para a análise de causas envolvendo servidores públicos, para que, pelo Desembargador sorteado, seja reconhecida a incompetência do Tribunal de Justiça e, eventualmente, ordenada a remessa do processo para a 1ª instância.

Enfim, ao determinar a distribuição do habeas corpus n. 0015492-16.2020.8.16.0000, onde era questionada a legalidade do “toque de recolher” decretado pelo prefeito de Araucária, a 1ª Vice-Presidência não proclamou ou tornou certa a competência do Tribunal de Justiça do Paraná para julgar a ação em tela e outras análogas, apenas repassou o caso, atuando administrativamente, ao órgão jurisdicional competente para deliberar sobre a competência. Inclusive, não pode deixar de ser mencionado que, em situação parecida – habeas corpus impetrado contra ato supostamente cerceador de direito de ir e vir praticado pelo Prefeito de Maringá – o eminente Desembargador Rabello Filho, também da 2ª Câmara do Tribunal de Justiça do Paraná, declinou da competência para a apreciação do pedido aos juízes da Comarca, por entender não se inserir entre as competências originárias da Corte o julgamento de questões semelhantes.

Em suma, ao ordenar a distribuição dos HCs 0015492-16.2020.8.16.0000, 0016667-45.2020.8.16.0000 e outros versando sobre a mesma matéria, a 1ª Vice-Presidência não chancelou a escolha do Tribunal de Justiça do Paraná, feito pelos impetrantes, para o julgamento originário das causas.

Era o que competia esclarecer".

 

 

COIMBRA DE MOURA
Desembargador 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Paraná