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Refletindo sobre o dia da Consciência Negra


REFLETINDO SOBRE O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA

Texto por Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima

O dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, tornou-se o Dia Nacional da Consciência Negra pela Lei Federal 12.519/2011, com o sentido de valorizar a cultura e da história dos afro descendentes no Brasil e promover a inclusão social dos povos negros, combater o racismo, a discriminação e a pobreza, respeitar a diversidade cultural, além de servir como um  momento de reflexão sobre as marcas que 300 anos de escravidão deixaram na sociedade brasileira e mundial.

Além de celebrar o legado e a presença africana na cultura, nas artes, nos esportes e na gastronomia como formadores da identidade do povo brasileiro, nesta data é importante relembrar que, em um momento recente de sua história, a humanidade admitiu com naturalidade a possibilidade de submeter ao trabalho escravo povos que apresentavam aparência, costumes, cultura e religiões diferentes daquelas próprias dos europeus.

A captura, o sequestro e o tráfico de seres humanos foram durante séculos um excelente negócio que gerou as riquezas que financiaram a Revolução Industrial, e o trabalho dos africanos escravizados nas colônias foi a base do desenvolvimento econômico das principais nações da Europa e das Américas, sendo o Brasil a última nação a torná-lo ilegal, em 13 de maio de 1888. Ao longo da história da escravidão africana no Brasil colonial, estima-se que chegaram aos nossos portos cerca de 4 milhões de africanos e que o mesmo número de pessoas morreu durante a travessia nos navios negreiros.

Não é difícil entender que a divisão da sociedade em pessoas que possuíam direitos de cidadania e pessoas que não só não os possuíam como eram equiparados aos animais domésticos, durante tantos anos moldou hábitos, práticas e valores sociais e individuais que se tornaram traços característicos da identidade nacional, muitos dos quais ainda se mantêm ativos nos dias de hoje.

Depois do preconceito e da discriminação racial, talvez a mais perversa herança do regime escravocrata seja a chamada naturalização da desigualdade social e racial, como se elas fossem decorrência apenas da vontade e da competência das pessoas e não do acesso desigual aos direitos fundamentais, especialmente à educação, ao trabalho e à propriedade da terra.

Por exemplo: uma lei complementar à Constituição do Império de 1824 proibia os negros (e os leprosos) de frequentar escolas, como forma de impedir o acesso de escravos e negros libertos à mais eficaz alavanca de ascensão social, econômica e política de qualquer povo.

No Paraná de hoje, observamos que a população negra continua enfrentando dificuldades no acesso à educação. O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal) do Estado divulgado em 2017 mostra que entre o ano 2000 e 2010 o percentual de negros entre 18 e 20 anos com o ensino médio completo passou 19,24% para 34,95%, enquanto entre os brancos da mesma faixa etária o mesmo percentual cresceu de 37,36 % para 53,85 %. Embora tenha havido avanços consideráveis para os dois grupos de jovens, a desigualdade entre eles se manteve na faixa de 18,1 pontos em 2000 e 18,9 em 2010.

Com relação à renda, o IDHM aponta que entre 2000 e 2010 a renda “per capita” dos paranaenses negros variou de R$ 339,94 para R$ 573,05, sendo que a dos não negros evoluiu de R$ 710, 85 para R$ 1.012,17. Neste particular a desigualdade entre negros e brancos cresceu de 59,3% para 70,19% no período, em desfavor dos negros.

Esses números demonstram que a igualdade formal preconizada pela Constituição Federal está muito distante da realidade, fato que pode bem ser observado quando olhamos ao redor e não encontramos negros e pardos ocupando funções mais relevantes nas empresas privadas e órgão públicos, em proporções capazes de lembrar o percentual desse segmento na população do país (53%), do Paraná (31%) ou do município de Curitiba (19%).

Para que a sociedade brasileira avance no sentido de tornar-se uma verdadeira democracia é indispensável que todo cidadão e cidadã tome consciência de que a redução da desigualdade racial, social e de gênero em impactos importantes na diminuição da pobreza e da violência e na construção de uma nação mais justa, pacífica e fraterna.

Texto por Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima