CEVID/PR promove o II Fórum Paranaense de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

Aconteceu o II Fórum Paranaense de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher

 

 

A Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (CEVID), em parceria com a Escola Judicial do Paraná (EJUD/PR) e patrocínio da Associação dos Magistrados do Paraná (AMAPAR) e da Associação dos Notários e Registradores do Estado do Paraná (ANOREG/PR), promoveu o 2º Fórum Paranaense de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (FOVID) do dia 31 de maio a 2 de junho, no Auditório do Pleno, nas dependências do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR). O evento foi transmitido pelo canal oficial da EJUD-PR no Youtube.

 

"Precisamos articular cada vez mais os poderes no aprimoramento das políticas públicas para prevenir a violência e proteger as mulheres. Aqui vamos discutir sobre as medidas protetivas e sua efetividade", anunciou a desembargadora Ana Lúcia Lourenço, coordenadora da CEVID.

 

Abertura

O evento teve abertura na noite de quarta-feira, 31 de maio, com a palestra magna “Medidas protetivas de urgência: efetividade, desafios e controvérsias”, de Gabriela Manssur, dos projetos Instituto Políticas de Saia, Projeto Justiceiras, Movimento pela Mulher e Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público. "Quero falar sobre o direito à presunção do risco para as mulheres. A mulher com medo não consegue desenvolver seus talentos, não consegue sair e viver sua vida. Qual a duração da medida protetiva de urgência? A duração deve ser o tempo que a vítima está em risco", afirmou Gabriela Manssur. 

 

A palestra seguinte foi do juiz federal Márcio Luiz Coelho de Freitas, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sobre o papel do poder judiciário e a existência de desigualdades estruturais. "É preciso deixar claro que a existência de desigualdades estruturais torna difícil exercer a justiça de modo concreto. Sob o manto da neutralidade, esquecemos as desigualdades estruturais que nos impedem de ser imparciais", observou o conselheiro do CNJ, Márcio Luiz Coelho de Freitas. Participou como debatedora no painel a juíza Katerine Jatahy Kitsos Nygaard, integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).

 

 

Lançamento da revista eletrônica e palestras do segundo dia de evento

No segundo dia do Fórum, pela manhã, houve o lançamento oficial da quinta edição da Revista Eletrônica da CEVID, a qual consiste em um espaço para que pesquisadores e estudiosos da área de violência doméstica e familiar divulguem suas produções, como também para a divulgação de boas práticas promovidas por Magistrados(as) e servidores(as) e a apresentação de políticas públicas desenvolvidas e executadas por profissionais da rede de enfrentamento.

 

Ainda na manhã de quinta-feira, 1 de junho, foi apresentada a palestra sobre a “Pesquisa ‘Medidas Protetivas de Urgência: perspectivas desde o pedido à sua decisão’” da desembargadora Priscilla Placha Sá (TJPR), que já integrou as comissões da Criança e do Adolescente e Estudos de Violência de Gênero da OAB/PR. A juíza Taís de Paula Scheer (TJPR), mestranda em Violência Doméstica, participou como debatedora do painel, assim como o juiz Lourenço Cristóvão Chemim (TJPR). “A mulher vítima de violência doméstica chega na delegacia muito fragilizada e a medida protetiva de urgência dá uma segurança psíquica para ela”, ressaltou Chemim.

 

Em seguida, a juíza Marcela Santana Lobo, do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA), autora do livro “Medidas protetivas de urgência: enfrentamento à violência doméstica e proteção de direitos das mulheres”, realizou a palestra “Procedimentos da MPU – questões controvertidas no exercício da jurisdição” e narrou o seu estudo comparativo sobre o atendimento na capital e nas cidades do interior em relação à violência contra a mulher. “A maioria das pesquisas mostram que as mulheres negras estão mais sujeitas ao feminicídio”, afirmou a juíza. O promotor Thimotie Aragon Heemann (MPPR) fez uma comparação com o direito ambiental, trazendo uma reflexão sobre o princípio da precaução. “Muitas mulheres vítimas de violência doméstica almejam recomeçar suas vidas longe dos agressores”, explicou o promotor.  

 

A juíza Adriana Ramos de Mello (TJRJ) falou sobre a violação de direitos humanos e do direito à justiça nos casos de violência doméstica. “Nós violamos as garantias de direitos humanos por não fornecer assistência jurídica às mulheres vítimas de violência, principalmente no interior e periferias. As informações não chegam e elas nem sabem dos seus direitos”, explicou a juíza. Cláudia Andrea Bertolla Alves, juíza titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Londrina (PR), participou como debatedora e falou sobre a importância do evento. “Aqui nós vamos construir os enunciados que vão ser levados ao FONAVID, o fórum nacional, e vai ser a oportunidade de fazer a mudança na vida de tantas mulheres”, informou a juíza.

 

A delegada Emanuelle Maria de Oliveira Siqueira, da Delegacia da Mulher de Curitiba, encerrou o painel da manhã como debatedora, trazendo sua experiência na linha de frente no atendimento às mulheres vítimas de violência. “Às vezes as mulheres chegam na delegacia e não sabem como funciona a medida protetiva de urgência. ‘É só um papel?’, me perguntam. Eu respondo que é um papel que pode salvar sua vida”, contou a delegada.

 

Na quinta-feira à tarde, foi discutida a "Lei n. 14.550/2023 - Natureza jurídica e requisitos decisórios das medidas protetivas de urgência", com os palestrantes Thiago Pierobom, titular da 2ª Promotoria de Violência Doméstica em Brasília, e Rogério Sanches Cunha, promotor do Ministério Público de São Paulo, em mesa presidida pela defensora pública do Paraná Olenka Lins e Silva e com o debatedor Marcos Antônio da Cunha Araújo, juiz titular da 13ª Vara Criminal de Curitiba/PR. O promotor Thiago Pierobom explicou que, com a lei, a mulher tem direito de receber a medida protetiva de urgência mesmo que não haja um inquérito policial aberto ou que o inquérito seja arquivado. E disse que, antes do coronavírus, já vivíamos numa pandemia de violência contra a mulher e que o confinamento agravou ainda mais o problema. “É um direito fundamental da mulher viver livre de todas as formas de violência, ser protegida, e é um dever fundamental do Estado ser eficiente em protegê-la”, afirmou.

 

A  juíza titular da 1ª Vara do Tribunal do Júri de Curitiba, Mychelle Pacheco Cintra Stadler, apresentou o painel “Medidas protetivas de urgência: feminicídio – uma morte evitável? ”, na mesa presidida por Débora Cassiano Redmond, juíza titular da Vara Criminal de Araucária (PR), e com os debatedores Mariana Seifert Bazzo, coordenadora do Núcleo de Promoção de Igualdade de Gênero (Nupige) do Ministério Público do Estado do Paraná, Helena de Souza Rocha, presidente da Comissão de Estudos sobre Violência de Gênero da OAB-PR, e o desembargador do TJPR Octávio Campos Fischer. “Na violência doméstica, quando existem filhos menores o risco das mulheres aumenta consideravelmente”, observou a juíza Mychelle Pacheco Cintra Stadler.

 

A promotora Roberta Franco Massa, do Ministério Público do Paraná (MPPR), em sua palestra, destacou a necessidade de ser falar sobre a questão da violência de gênero. “É a desigualdade de gênero que estrutura essa violência, de homens que crescem em um ambiente tóxico. Precisamos falar de corpos periféricos e marginalizados, como LGBTQIA+ e transexuais", afirmou, lembrando que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda a observação da perspectiva de gênero. "Enquanto não cutucarmos essa ferida a fundo, a gente vai continuar vivendo nessa violação de direitos humanos mais básicos, o seu direito de ser, de existir", concluiu.

 

Na sua intervenção, a promotora Mariana Seifert Bazzo (MPPR) seguiu na mesma linha de pensamento, afirmando que “a desigualdade de gênero é estrutural, por isso não tem como estudar crimes contra as mulheres sem estudar gênero". A advogada Helena de Souza Rocha apontou a necessidade de criar serviços que não apenas atendam as mulheres, mas que também acolham. “Quando o Estado falha em prevenir e punir esses crimes, nos faz pensar em por que não impedimos essa morte evitável”, afirmou a advogada. Finalizando a discussão, o desembargador Octávio Campos Fischer (TJPR) destacou que o discurso da misoginia aumenta o machismo e os casos de feminicídio. "Vivemos em uma sociedade não só de racismo estrutural, mas de machismo estrutural", afirmou.

 

O último painel do dia foi sobre “Grupos Reflexivos para homens autores de violência doméstica e familiar: medidas protetivas vs. antecipação da pena”, com Fábio André Guaragni e Marcos Antônio da Cunha Araújo. “O Estado deveria neutralizar a periculosidade criando mecanismos de proteção, em uma via consensualista”, explicou o Procurador de Justiça no Estado do Paraná, Fábio Guaragni. "Violência contra a mulher é violência contra os direitos humanos. Nosso grande objetivo é reduzir os riscos de violência", observou o juiz Marcos Antônio da Cunha Araújo, Vice-Coordenador da CEVID/TJPR. 

 

Durante o debate, a promotora Maria Mello Losso (MPPR) considerou que as medidas protetivas de urgência devem ser entendidas como sendo de natureza jurídica cível e que a participação dos agressores nos grupos reflexivos não deveria ser uma antecipação da pena. "É possível viver com um pouco menos de sofrimento? Por isso defendo um grupo reflexivo para homens autores de violência em uma ótica feminista e decolonial", concluiu o juiz Eldom Stevem Barbosa dos Santos (TJPR).

 

Prêmio “Boas Práticas” e terceiro dia de evento

No encerramento do FOVID, foi realizada a apresentação e a premiação dos três projetos selecionados, entre os oito inscritos, pela organização do evento. A primeira ação apresentada foi a da Comarca de Araucária (PR), com a juíza Débora Cassiano Redmond, que através de um acordo de não persecução penal, em um caso de desvio de dinheiro na cidade, conseguiu arrecadar mais de 1 milhão de reais que foram usados para a construção e a criação do Centro de Atendimento à Mulher Eliane de Lima Purger. 

 

O nome é em homenagem a uma vítima de feminicídio que recebeu 27 facadas do seu marido na frente do filho, à época com seis anos. Na inauguração do espaço, que conta com banheiros infantis, cozinha, atendimento psicológico e social, o filho de Eliane fez um discurso relembrando a mãe. O pai foi condenado a quase 30 anos de prisão e permanece em regime fechado. “Este é um exemplo de que a justiça penal negociada pode ajudar no atendimento à mulher”, afirmou a juíza.

 

O segundo projeto apresentado foi a “Mostra Cultural sobre Violência Doméstica contra a Mulher", realizada no Fórum de Palmital (PR). A juíza da comarca, Cecilia Leszczynski Guetter, apresentou estatísticas mostrando que o principal crime da cidade é a violência doméstica, 33,72%, superando roubo, furto e tráfico de drogas somados (22,51%). A maioria da população da comarca, que reúne as cidades de Palmital e Laranjal, é rural. “Decidimos trabalhar com as escolas sobre o tema porque aonde a justiça não chega, a escola vai chegar”, explicou a juíza. Foram realizadas palestras com material informativo impresso nas escolas urbanas, rurais e também nos três assentamentos que existem na região. Lá a juíza descobriu peculiaridades, como o fato de que algumas alunas já são casadas. 

 

Durante o projeto, estabeleceu-se que os centros de referência de assistência social poderiam fazer videoconferência com a delegacia, que fica distante, para que as mulheres consigam medidas protetivas de urgência. Os professores criaram propostas de mediação artística, com poesia, prosa, artes plásticas, filmes e música, para que os alunos expressassem suas opiniões sobre o tema da violência doméstica. Alunos que iam mal na escola ou que tinham abandonado foram convidados a participar e a apresentar trabalhos que foram premiados.

 

O terceiro projeto premiado foi a "Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher", que envolveu 2300 alunos da cidade de Ampére (PR) em ações como concurso de desenho e elaboração de textos sobre violência em casa. O juiz da comarca, Cristiano Diniz da Silva, convidou várias instituições, como a Polícia Civil, Polícia Militar e Ministério Público para atuarem com a Secretaria Municipal de Educação nas escolas, discutindo tanto a violência escolar quanto a doméstica. 

 

Foi realizado um concurso de desenhos sobre o tema com 300 inscritos e também a confecção de cartas anônimas nas quais surgiram revelações espontâneas e pedidos de ajuda. Os alunos aprenderam que, além da violência física, existe também a violência psicológica. “Usamos a força da escola e a sua capilaridade para que esses adolescentes não sejam as vítimas ou agressores no futuro”, ressaltou o juiz Cristiano Diniz da Silva.

 

Na sexta-feira oram realizadas também as oficinas preparatórias dos enunciados para o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (FONAVID).

 

"Para acabar com a violência doméstica temos que educar primeiro os homens. Temos que pensar também nas crianças da violência para que recuperem seus sonhos, principalmente através da arte", disse a desembargadora Joeci Machado Camargo, no encerramento do FOVID.

 

Propostas do Paraná para o Brasil

Atualmente, o Brasil possui mais de 4 mil processos de feminicídio em andamento e mais de 700 mil ações penais de violência doméstica. O FOVID promoveu um espaço para debates e reflexões para todos os profissionais que atuam em casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, abrangendo toda a rede de enfrentamento ao problema, como o poder judiciário, promotores, defensores públicos, policiais, guardas municipais, psicólogos, assistentes sociais, advogados e educadores. Os participantes do FOVID puderam conhecer também como funciona a Casa da Mulher Brasileira de Curitiba, e, durante o evento, foram arrecadados itens de higiene pessoal e íntima que serão destinados à Campanha em Prol da Saúde da Mulher – 2ª edição/ 2023.

 

No fim da tarde, foi realizada a votação dos enunciados das oficinas para o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (FONAVID). As oficinas foram divididas em criminal, cível e aspectos legislativos e equipes multidisciplinares. No grupo cível e aspectos legislativos, participou como coordenadora a juíza Taís de Paula Scheer, o juiz Marcos Antônio da Cunha Araújo, e a juíza Cláudia Andrea Bertolla Alves, como secretária a juíza Luciane do Rocio Custódio Ludovico e como secretário o juiz Victor Martim Batschke. No grupo criminal, a coordenadora foi a juíza Débora Cassiano Remond e a secretária foi a juíza Lorany Serafim Morelato, bem como, o juiz Renato Garcia. No grupo de equipes multidisciplinares, o coordenador foi o juiz Eldom Stevem Barbosa dos Santos, e as secretárias foram as juízas Alessandra Pimentel Munhoz do Amaral e Dilmari Helena Kessler. 

 

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