Desembargador Antonio Carlos Schiebel
DESEMBARGADOR ANTONIO CARLOS SCHIEBEL
Por Robson Marques Cury
Antonio Carlos Schiebel, filho de Antonio Schiebel e de Rosa Manzochi Schiebel, nasceu no dia 9 de janeiro de 1929, em Curitiba (PR). Casou-se com Sarah Chocair Schiebel.Formou-se bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), turma de 1956.
Aprovado em primeiro lugar no concurso, iniciou na magistratura em 11 de dezembro de 1959 e foi nomeado para exercer o cargo de juiz substituto na comarca de Santo Antônio da Platina. Em 1960, exerceu as funções de juiz substituto em Wenceslau Braz, Tomazina, Joaquim Távora, Sengés, Pato Branco, Clevelândia e Palmas.
Em 16 de abril de 1962, Antonio Schiebel foi promovido ao cargo de juiz de direito da 1ª entrância da comarca de Laranjeiras do Sul. Em seguida, para o cargo de juiz de direito de 2ª entrância da comarca de Clevelândia. Ainda em 1962, foi promovido ao cargo de juiz de direito de 3ª entrância da comarca de Santo Antônio do Sudoeste.
Em 1974, foi promovido por antiguidade ao cargo de juiz de direito e entrância intermediária da comarca de entrância final de Curitiba. Em 1977, foi removido do cargo de juiz de direito substituto de 1ª instância da comarca de entrância final de Curitiba ao cargo de juiz de direito da 4ª Vara Criminal da comarca de igual entrância de Curitiba, onde permaneceu até ser nomeado juiz do Tribunal de Alçada, em 17 de fevereiro de 1987. No dia 24 de fevereiro de 1995 foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).
Aposentou-se a pedido no dia 14 de janeiro de 1999.
Faleceu no dia 26 de novembro de 2010, em Curitiba (PR).
Antonio Schiebel é patrono do Fórum de Execuções Penais de Curitiba e do Fórum Eleitoral de Pinhão.
No final dos anos 70, como juiz de direito titular de entrância inicial, pude desfrutar, juntamente com a esposa e casal de filhos ainda bebês, das férias forenses de janeiro, conhecendo a colônia da associação dos magistrados em Guaratuba.
Foi lá que conheci os colegas antigos e experimentados, aprendendo muito com todos as particularidades das comarcas do interior paranaense, deleitando-me com as histórias do pioneirismo e das dificuldades por eles enfrentadas.
Assim conheci os veteranos magistrados Antonio Carlos Schiebel e Octávio Jorge de Cesar Valeixo, amigos inseparáveis, ferrenhos torcedores do Coritiba Futebol Clube. Ambos chegaram ao ápice da carreira, aposentando-se como desembargadores. Escrevi um capítulo sobre o desembargador Valeixo contando o relato do seu filho, advogado Cesar Valeixo. (CURY, Robson Marques. A História do Poder Judiciário Paranaense, v. 1, Vitória Gráfica & Editora, 2022, p. 198-200.).
Fiquei deveras impressionado com a saga do juiz de Direito Antonio Carlos Schiebel como titular da comarca de 3ª entrância de Santo Antonio do Sudoeste, entre os anos de 1962 e 1974. Naquela época os recursos eram escassos. Eletricidade limitada a poucas horas diárias. As estradas não eram pavimentadas. Quando chovia, ninguém saía, ninguém chegava. Somente a cavalo.
Como não tinha médico, em algumas situações de emergência, o Juiz Schiebel era chamado para atender, devido ao seu conhecimento adquirido quando estudou Medicina.
Seus filhos, Antonio Carlos Schiebel e Marco Vinícius Schiebel, ingressaram após concurso na magistratura, palmilhando seus exitosos passos na carreira.
Antonio Carlos Schiebel Filho, um dos filhos, magistrado vocacionado como o pai, tal como o seu irmão Marco Vinícius Schiebel, destaca-se pela intensa participação na associação de classe e recorda fatos inéditos para os juízes mais novos, daqueles difíceis tempos de pioneirismo para um magistrado, prestando a meu pedido relevante depoimento.
O desembargador Schiebel ingressou na magistratura aos 30 anos, casado e pai de 4 filhos. No início, a família ficou em Curitiba, mas logo após ele veio buscá-los e juntos começaram a caminhada pelo interior do Paraná. Era início da década de 60.
A primeira Comarca onde fixaram residência foi Santo Antônio do Sudoeste que, naquela época, não contava com luz elétrica, fazendo com que o Dr. Schiebel, ao trabalhar em casa à noite, precisasse usar lampião de gás. Essa circunstância afetou sua visão, levando-o a ter que usar óculos por toda vida.
Aliado ao frio que era constante na região, outra circunstância que dificultava a vida da família era o fato de que quando chovia a cidade ficava ilhada, ninguém entrava nem saía. Não tinha quem não fosse ao chão, o barro era um sabão.
A casa era de madeira, e era comum a família encontrar cobras que circulavam na parte de baixo.
Em contrapartida, as belezas naturais compensavam tais dissabores, tornando a vida muito pitoresca. As crianças brincavam no pátio da casa com animais domésticos, principalmente carneiros e cabritos que o pai ganhava dos jurisdicionados.
Na cidade não havia distração, o que fazia com que a população organizasse “bailinhos” em cada semana em uma residência. Aconteciam serestas tocadas por artistas argentinos (Santo Antônio do Sudoeste faz divisa com a Argentina), os quais eram exímios violonistas.
Existia muita união entre as pessoas, pois eram todas de outras localidades e estavam juntas a desbravar Santo Antônio do Sudoeste.
A calmaria era quebrada com a ocorrência de vários crimes, notadamente homicídios, sendo que não havia um final de semana que não ocorressem mortes, pois brigas por terras eram corriqueiras.
A esposa do Dr. Schiebel (Dona Nelli - Agnes Nelli Michels Schiebel) costumava falar que Santo Antônio do Sudoeste era “Santo Antônio do fim do fim”.
Durante a permanência no Sudu (como a família se referia à cidade), o pai do desembargador Schiebel faleceu em 1963. Como ele não possuía carro, vieram para Curitiba em um Jeep da polícia. Viagem longa e desconfortável para a família enlutada.
A passagem do desembargador Schiebel por sua comarca inicial foi reconhecida pela população, que o homenageou colocando em uma de suas escolas o nome do Antonio Schiebel (seu falecido pai).
Esse ciclo terminou com a promoção do desembargador Schiebel à Comarca Intermediária - Santo Antônio da Platina, onde chegaram no fim dos anos 60 e permaneceram até 1974.
A mudança da família foi carregada em um caminhão de carroceria aberta. O desembargador, sua esposa e a filha mais velhas viajaram na cabine junto com o motorista, enquanto os meninos (3) vieram na carroceria, que além de carregar os móveis também levava o cachorro da família.
Era um pequeno animal, o qual segundo o desembargador Schiebel era natural da Argentina. Cãozinho muito esperto e ligado ao desembargador, que costumava acompanhá-lo ao Fórum, permanecendo deitado na porta do Gabinete e rosnando para as pessoas que buscavam entrar lá. Dack ou Daque era seu nome, e foi por muitos anos fiel companheiro.
Em Santo Antônio da Platina (SAP), os filhos do desembargador Schiebel vieram a conhecer a luz elétrica e passaram a ter uma vida com melhores condições. Cidade de clima agradável, as pessoas que lá moravam eram e ainda são muito receptivas, muitos naturais de Minas Gerais.
O desembargador Schiebel tinha natureza reservada, não era de muitos amigos, mas gostava de frequentar o clube da cidade após o expediente, ao escurecer, quando não havia mais pessoas no local.
Em SAP, como já fizera em Santo Antônio do Sudoeste, o desembargador Schiebel também lecionou. Antes de ingressar na Magistratura, era graduado e Doutor em História, tendo lecionado no Colégio Bom Jesus ainda muito jovem.
O amor por aquela cidade era tanto que o Schiebel gostaria de ter permanecido por lá por muito mais tempo. Por insistência de sua esposa, que pensava na formação escolar dos filhos, é que requereu a promoção.
Em 1974, o desembargador Schiebel foi promovido para a Comarca Final, Curitiba.
Dois anos após, um infortúnio atinge a família com o falecimento da Sra. Nelli aos 43 anos de idade.
Tempos difíceis para todos.
O desembargador Schiebel foi substituto em algumas Varas, até tornar-se titular da 4ª Vara Criminal, onde permaneceu até sua promoção ao extinto Tribunal de Alçada do Paraná (1987).
A família aumentou. Os quatro filhos casaram e advieram 9 netos e 4 bisnetos.
Dois dos filhos (Marco Vinicius e Antonio Carlos) seguiram a carreira do pai e atualmente exercem suas jurisdições junto à Turma Recursal e 11ª Vara Criminal respectivamente. Os outros dois, Thais Regina e Sergio Domicius, cursaram Administração de Empresas.
No Tribunal de Justiça, o desembargador Schiebel foi promovido em 1995, onde foi o primeiro Presidente da 5ª Câmara Cível, permanecendo até sua aposentadoria em 1999.
O desembargador Schiebel foi juiz integral e íntegro. Dotado de um vocabulário refinado que adquiriu com a leitura de livros diversificados. Era um leitor voraz.
Quando ele se aposentou, sua filha disse: “Pai, agora o senhor pode viajar”. Ao que ele respondeu: “Viajo nos meus livros”.
Dr. Schiebel era uma pessoa extremamente séria, mas os que com ele conviviam percebiam que era uma pessoa bondosa. Atendia a todos que o procuravam com delicadeza e respeito.
“Deixou muitas saudades!!!”.
Sem dúvida alguma, o desembargador Antonio Carlos Schiebel foi notável desbravador da longínqua comarca de Santo Antônio do Sudoeste, considerada de difícil provimento pelo Tribunal de Justiça, diante das condições inóspitas de acesso e de trabalho.
Outra passagem curiosa lembrada pelos familiares ocorreu em Águas do Verê, quando ele estava jantando com a família em um restaurante (princípio dos anos 60), quando adentrou no recinto um cidadão ostentando revólveres na cintura e perguntou quem era o Juiz de Santo Antônio do Sudoeste. O Doutor Schiebel imediatamente se levantou e em voz alta falou “Eu sou o juiz de Santo Antônio do Sudoeste”. Ao que referida pessoa se curvou e alegou que precisava saber de uma questão de terra na comarca, sendo que o juiz Schiebel disse que o mesmo deveria procurar um advogado. Era assim que ele se conduzia, com a sua postura enérgica, derrubou a valentia do homem.
Quando do seu falecimento, no ano de 2010, um dos seus nove netos, Antonio Carlos Schiebel Neto, então estudante de jornalismo, rememorou a saga do patriarca magistrado:
“Para um dos nove netos de Antonio Carlos Schiebel, a melhor parte das visitas da casa ao avô era quando a família se sentava em volta da pequena televisão de 14 polegadas no apartamento na Rua da Paz, em Curitiba, para debater futebol. O tema favorito era o Coritiba, clube que Antonio Carlos amou a vida inteira. A paixão foi também para os filhos e os netos.
O sentimento pelo alviverde do Alto da Glória fora a única distração que tivera durante a vida. Enquanto o Coritiba estivesse jogando, “Vô Schiebel” deixava o juiz de direito de lado e se tornava um torcedor comum como todos os outros. Na época em que viveu no interior, lutava com o rádio que possuía para conseguir sintonizar em alguma estação que estivesse transmitindo o jogo de seu amado glorioso – tarefa nada fácil no sudoeste paranaense da década de 1960.
Tito, como era chamado por seus tios durante a infância, foi uma criança muito séria, que preferia estudar a fazer brincadeiras. Quando trocava os livros por momentos de lazer, só podia ser para fazer duas coisas: jogar futebol ou ir aos jogos do Coritiba no Belfort Duarte.
No colégio Belmiro Cezar, no bairro das Mercês em Curitiba – onde nasceu e viveu até os 16 anos – Tito chamava a atenção de familiares e colegas por sua austeridade e pelo excelente desempenho escolar. A paixão pelos estudos não estava ligada à obsessão por tirar boas notas ou ser o primeiro da turma. Tito via os estudos e os livros como uma maneira de conhecer o mundo – algo que o fascinava.
O jovem adulto, agora Antonio Carlos, continuou mostrando sua aptidão para a vida acadêmica. Aos 17 anos, era professor do Colégio Bom Jesus. Aos 21, formara-se em Filosofia na Universidade Federal do Paraná, onde, pouco tempos depois, se tornara Doutor em História Antiga. Com 27 anos, formou-se em direito na primeira turma da Faculdade de Direito de Curitiba. Aos 29, entrara para a Magistratura, tendo passado em primeiro lugar.
No direito, descobriu sua vocação. Como juiz, Dr. Schiebel encarava a profissão de forma digna – dedicava-se aos estudos sobre leis e aplicações do direito com muito afinco – e, como de costume à sua personalidade, séria. Desde adolescente vestia-se de maneira formal, usando terno e gravata. Agora, como juiz, usava esses trajes todos os dias, mesmo quando não estava trabalhando, pois achava que o juiz direito deveria ter uma postura diferente dos outros.
Quem não o conhecesse, poderia notar de que se tratava de uma pessoa séria só pela forma de caminhar. Esguio e com passadas largas, mas não aceleradas, via-se sua rigidez à distância. Possuía, porém, hábitos típicos da boemia: o gosto pela cerveja e, principalmente, pelo cigarro. Fumava em média duas carteiras de Continental, sem filtro, por dia. Prática que viria a debilitar sua saúde mais tarde.
Em casa, a mesma rigidez era mostrada aos filhos. Não precisava de palavras para que mostrasse sua desaprovação com qualquer tipo de algazarra. Para isso, bastava apenas um olhar. Apesar de sua personalidade, jamais negou qualquer tipo de conselho. E, especialmente em relação aos estudos e ao futebol, sempre se mostrou atencioso.
Durante a década de 1960 e o começo dos anos 70, Dr. Schiebel e sua família passaram por cinco cidades do interior do Paraná, onde o juiz exercera sua profissão. Fora respeitado pelos cidadãos em todas as cidades. Em Santo Antônio da Platina, no norte do estado – onde morou com a família por 8 anos – foi homenageado com a inauguração da escola rural Doutor Antonio Carlos Schiebel, em 2011.
Quem disser que o Dr. Schiebel não teve amigos durante a vida no interior estará mentindo. Seu melhor amigo o acompanhava ao trabalho quase todos os dias, o esperava na saída e rosnava se alguém chegasse perto de seu gabinete. O cachorro da família, Daque, um pequeno vira-lata de pelos escuros e brancos e lisos, enquanto não estava correndo atrás de cadelas pela rua, fazia questão de passar o dia ao lado do dono.
Em abril de 1995, por critério de antiguidade – tempo de serviço –, Antonio Carlos Schiebel foi promovido a desembargador do estado do Paraná. A posse ocorreu dois anos antes de seus filhos Marco Vinícius e Antonio Carlos Schiebel Filho terem entrado para a magistratura.
Dr. Schiebel passaria os anos seguintes, enquanto a saúde já debilitada pelo excesso de cigarro permitisse, fazendo aquilo que fez a vida toda, trabalhando com fervor, sendo respeitado; e acompanhando o seu glorioso Coritiba. Deixou quatro filhos, nove netos e dois bisnetos”.