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Escravidão e conflitos na história do judiciário paranaense


ESCRAVIDÃO E CONFLITOS NA HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO PARANAENSE

Museu da Justiça do TJPR tem em seus arquivos processos que narram diversos momentos importantes da história do Brasil e do Paraná

Nos 300 anos da justiça togada no Paraná, a partir da criação da Ouvidoria de Paranaguá em 1723, e 132 anos da criação do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), acontecimentos históricos solicitaram a atuação dos representantes da lei no estado para resolver conflitos e garantir direitos. No Museu da Justiça do tribunal encontramos processos que contam parte dessa história. Conhecer fatos históricos ajuda a compreender a formação da nossa sociedade e revela a importância das instituições, como o judiciário. “O tribunal é uma engrenagem em movimento que acompanha o desenrolar da história”, explica  Ibramar Pinto Socreppa, do Museu do TJPR.

É o caso do processo de Luís, que tinha entre 10 e 12 anos quando foi retirado da sua família no continente africano e trazido em um navio negreiro para o Brasil em 1850, vivendo 27 anos escravizado em Paranaguá (PR). Em janeiro de 1877, foi ajudado por José Cleto da Silva, seu representante legal. No processo consta que Luís era “vítima (...) da tirania, a mais atroz, sofrendo como tem sofrido o pesado jugo do cativeiro” e “vendo-se (...) privado do dom mais precioso que pelo criador foi dado à criatura – a liberdade – e reduzido à escravidão, com todos os seus horrores, tem sofrido paciente por tão longo período”. José Cleto descobriu que, quando Luís foi trazido, estava em vigor a lei de 1831, que proibia a importação de escravos, portanto, sua compra tinha sido ilegal. Com seu documento de batismo e a matrícula de bens do seu proprietário, Jacinto Figueira, de 1850, ficou comprovada a irregularidade, e o judiciário paranaense o libertou dos seus 27 anos de escravização.

O processo de Luís se soma a diversos outros do período escravocrata do país, especialmente em relação ao imposto aplicado, a “meia siza”. É o caso da menina Bernarda, de 13 anos, nascida na Lapa (PR) e comprada por um morador do Rio Grande do Sul. Já a “meia siza” de Maria, de 17 anos, foi paga por um comprador de Ponta Grossa, como mostram os registros do tribunal. Em 1876, viviam no Paraná 10.560 escravizados, os quais vinham principalmente pelo porto de Paranaguá, que foi um centro de contrabando de pessoas escravizadas. A campanha abolicionista chegou ao Paraná a partir de 1880 e seus grandes incentivadores foram os magistrados Vicente Machado, Casimiro dos Reis Gomes e Silva e Itaciano Teixeira, que mais tarde seria desembargador.

 

Conflitos e revoluções que revolucionaram o tribunal

 

     

     

Fotos de Claro Jansson

 

O tribunal paranaense foi criado em 1891 como o nome de Tribunal de Apelação, já que era um órgão de 2ª instância para atender as apelações dos casos julgados na 1ª instância em que cabia recurso. Os magistrados estavam estruturando o tribunal quando a tropa revolucionária dos federalistas, os “maragatos”, que vinham do Rio Grande do Sul, avançou pelo território paranaense em 1894. O objetivo dos revoltosos era chegar na capital do país, o Rio de Janeiro na época, e derrubar o governo Floriano Peixoto. As forças que defendiam o governo usavam um uniforme azul com barrete vermelho e, por isso, foram apelidados de “pica-paus”.

As batalhas aconteceram em Paranaguá, Antonina, Tijucas do Sul e Lapa, onde se deu um grande combate chamado de Cerco da Lapa. Nesse conflito, a cidade ficou sitiada pelos “maragatos”, provocando quase 500 mortes, inclusive do coronel Gomes Carneiro, que liderava a resistência. Durante a Revolução Federalista, foi destruída grande parte do arquivo do tribunal e das comarcas de Paranaguá, São José dos Pinhais, Cerro Azul, Campo Largo, Palmeira, Ponta Grossa, Guarapuava e Castro. As atividades judiciárias foram paralisadas, e os desembargadores do tribunal apoiaram os rebeldes, o que gerou conflitos após a revolução.

A disputa de território entre Paraná e Santa Catarina por causa da expropriação de terras e o desejo dos latifundiários em expulsar os sertanejos e vender as terras para os imigrantes europeus gerou um conflito conhecido como Contestado. Em 1912, o TJPR aprovou por unanimidade um voto de pesar pelas mortes e, na divisão do território, perdeu os Termos de Itaiapólis, nas comarcas de Rio Negro e de Três Barras. Na época, também ocorreu um prolongado processo judicial para apurar a morte do coronel João Gualberto, chefe das forças do governo, em Palmas (que na época se chamava Irani).

Decisões ditatoriais que impactaram o TJPR

Outro evento conflituoso que impactou o judiciário paranaense foi a Revolução de 1930, quando os oficiais tomaram os quartéis curitibanos em apoio a Getúlio Vargas, que, logo em seguida, assumiu a presidência do Brasil. Em 1931, o tribunal paranaense sofreu os efeitos da revolução e foram exonerados os desembargadores Artur da Silva Leme e Eudoro Cavalcanti Albuquerque. Nesse período, foi criado o cargo de vice-presidente do TJPR e a Corregedoria-Geral foi extinta, sendo restabelecida apenas em 1940. Foi durante o governo de Vargas, o Estado Novo, que as comarcas do Paraná foram divididas em entrâncias, de acordo com a população das comarcas.

Durante o a ditadura cívico-militar, iniciada em 1964, 4 mil pessoas foram presas e cerca de mil foram torturadas pelas forças do governo. O poder judiciário perdeu sua autonomia e não podia avaliar as cassações de direitos políticos e mandatos, nem as demissões de funcionários públicos. Promotores e magistrados considerados da oposição foram demitidos. No período, como mostra o relatório da Comissão da Verdade, 15 magistrados foram aposentados compulsoriamente, 13 eram juízes e dois desembargadores, Alceste Ribas de Macedo e José Pacheco Júnior. Além disso, todos os advogados que concorressem para desembargador pelo Quinto Constitucional no TJPR precisavam passar por investigação da Delegacia da Ordem Política Social (DOPS) durante o período da ditadura, que só teve fim em 1985.