Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima
DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA
Desembargador Robson Marques Cury
Maria Aparecida Blanco de Lima, filha de Francisco Blanco e de Maria Viegas dos Santos, nasceu no dia 4 de fevereiro de 1950, em Campo Grande (MS). Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, na turma de 1975.
Ela advogou em Curitiba até sua aprovação em concurso público para a magistratura, quando ingressou em 9 de dezembro de 1980, como juíza substituta, na comarca de Foz do Iguaçu. Foi promovida para o cargo de juíza de Direito e atuou, a partir de 18 de agosto de 1983, nas comarcas de Guaraniaçu, Pato Branco, Londrina e Curitiba.
Maria Aparecida foi promovida a desembargadora do Tribunal de Justiça do Paraná em 23 de março de 2007.
Ela ocupou o cargo de Ouvidora do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná na gestão 2019/2020. Especialista em Sociologia Política pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), ela cursou as disciplinas do mestrado em Sociologia pela UFPR.
A desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima e o juiz Fábio Ribeiro Brandão receberam, no dia 7 de dezembro de 2022, na Câmara Municipal de Curitiba, o Prêmio Pablo Neruda.
A honraria é destinada a pessoas físicas ou jurídicas não governamentais que tenham se destacado na luta pelo direito à liberdade ideológica, de credo religiosa, de opinião, pela democracia e pela justiça social no Município de Curitiba.
Também premiada, a desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima foi indicada pela parlamentar Carol Dartora (PT). A magistrada realizou importantes trabalhos durante sua carreira. Na presidência da Comissão de Igualdade e Gênero, vem se dedicando a estudar, monitorar e propor ações concretas no sentido de combater os flagrantes de desigualdades raciais e de gênero. Com a criação da Comissão de Assuntos Fundiários, participa na mediação de processos de reintegração de posse em áreas rurais e urbanas. Na Comissão Estadual da Verdade, Justiça e Memória - Teresa Urban - colaborou para a pesquisa das graves violações aos direitos humanos ocorridas durante o período de 1946 a 1988.A
Entrevistada em 30/09/2022 pela ANOREG/PR para avaliar o tema da igualdade de gênero.
Maria Aparecida Blanco de Lima – Historicamente, a nossa sociedade convive com a desigualdade de gênero em função da divisão de papéis entre mulheres e homens, derivada da estrutura patriarcal da família tradicional. Então, algumas tarefas, funções, posições e direitos foram consideradas como exclusivas do sexo masculino e, outras, do sexo feminino. Hoje em dia, as mulheres já conquistaram a igualdade em relação ao voto, por exemplo, mas ainda encontram dificuldades no que se refere ao acesso aos postos de decisão e de representação política. E no âmbito familiar, a igualdade de direitos e responsabilidades entre marido e mulher, filhos e filhas ainda não se faz presente, embora já se enxergue avanços importantes e animadores! É necessário registrar que, esses avanços, não contemplam na mesma intensidade as mulheres negras e pobres.
Anoreg/PR – Em setembro de 2021 foi aprovada, pelo Órgão Especial do TJPR, a instituição da Comissão de Igualdade de Gênero no âmbito do judiciário estadual, a qual a senhora é a presidente. Qual é o principal objetivo da Comissão?
Maria Aparecida Blanco de Lima - A criação da Comissão de Igualdade de Gênero decorre da pressão que as magistradas brasileiras e os movimentos feministas exerceram sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O qual, sob o comando da ministra Carmen Lúcia, editou a Resolução nº 255, de 04/09/2018, que deu início aos estudos e projetos para ampliação da participação feminina no Judiciário. O objetivo geral da Comissão é fomentar o equilíbrio de oportunidades entre gêneros nas unidades do Tribunal; propor diretrizes e mecanismos que orientem a Corte a atuar para incentivar a participação das mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais e acompanhar o cumprimento da Resolução nº 255/2018, do CNJ. Como é quase impossível dissociar a desigualdade de gênero nos espaços de trabalho das demais discriminações e preconceitos presentes na sociedade brasileira, a Comissão passou a chamar-se “de Igualdade e Gênero” e assim obter legitimidade para atuar nas questões raciais, LGBTQI +, assédio, moral e sexual, e demais entraves ao exercício pleno de direitos.
Anoreg/PR - Como foi feita a composição da Comissão?
Maria Aparecida Blanco de Lima - Para a composição inicial da Comissão, o presidente, desembargador José Laurindo, convidou pessoas já comprometidas com a causa para começar os trabalhos, detalhar as principais diretrizes, sendo que uma delas estabelecia que a composição da Comissão deveria envolver magistradas e magistrados, servidores e servidoras identificados com a eliminação das desigualdades, das suas causas e de seus efeitos nocivos às carreiras profissionais e com a prestação jurisdicional.
Anoreg/PR - Conforme determina o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) 5, que integra a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), é preciso estabelecer metas para alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas com ações que devem ser colocadas em prática pelos 193 países-membro da ONU. Acredita que essas metas estão sendo cumpridas? De que forma?
Maria Aparecida Blanco de Lima - Acredito que alguns passos importantes neste sentido estão sendo dados pelo CNJ e pelo nosso Tribunal. Aqui no Paraná, antes mesmo do início das atividades da Comissão, o Decreto Judiciário que instituiu a Comissão de concurso público para ingresso na magistratura já apresentava paridade de gênero em sua composição. A Comissão já está trabalhando na identificação de entraves ao atingimento das metas e em medidas que os reduzam, tanto nos concursos públicos, processos de recrutamento de servidoras e servidores comissionados ou contratação de prestadores e prestadoras de serviços terceirizados, como nas avaliações para promoções e progressões funcionais.
Anoreg/PR – O judiciário é historicamente composto por mais homens do que por mulheres. O que se pode esperar da Comissão em termos de igualdade no Judiciário paranaense?
Maria Aparecida Blanco de Lima - De fato, conforme indicam as pesquisas do CNJ, o Judiciário se fez reconhecer como um espaço próprio de homens brancos e heterossexuais. O que não reflete, com fidelidade, a diversidade da sociedade contemporânea e acaba concentrando uma parcela significativa de poder nas mãos de uma única categoria de cidadãos. Esta situação vem se modificando nas últimas décadas com a ampliação das oportunidades de acesso da população pobre e negra ao ensino universitário, mas ainda não atinge satisfatoriamente as instâncias e tribunais superiores.
A Comissão entende que é necessário conhecer os fatores que freiam a ascensão funcional de mulheres, pessoas negras, indígenas ou integrantes de grupos sub-representados para estudar, discutir e propor a adoção de normas e comportamentos que minimizem ou eliminem tais entraves. Só assim chegaremos a um estado de igualdade de oportunidades e de melhor aproveitamento do talento, conhecimento e capacidade de trabalho das pessoas que se colocam a disposição do TJPR.
Anoreg/PR – As centrais eletrônicas dos Cartórios podem atuar no levantamento de dados que apontem desigualdades entre homens e mulheres. A iniciativa pode ser útil para fomentar denúncias e gerar indicadores para políticas públicas?
Maria Aparecida Blanco de Lima - Sim, será muito útil contar com informações precisas e confiáveis para dar consistência e credibilidade às ações que denunciam a desigualdade de gênero, bem como a formulação de políticas públicas que a combatam. Para tanto, será fundamental estreitar o contato com as entidades representativas do setor para que, pensando enquanto Comissão, possamos conhecer melhor os recursos, ferramentas e informações que as centrais eletrônicas dispõem.
Registro, com imensa satisfação, a biografia da Desembargadora Maria Aparecida, sob a sua própria ótica, sumamente honrado com a sua participação neste projeto de compilação da História do Judiciário Paranaense.
“Maria Aparecida Blanco de Lima é natural de Campo Grande, MS, onde nasceu no dia 04 de fevereiro de 1950, filha de Maria Viegas dos Santos e Francisco Blanco. É casada com Paulo Rolando de Lima, e tem dois filhos.
Em Campo Grande, a magistrada cursou o ensino fundamental no Colégio Estadual Vespasiano Martins, e o curso Técnico em Contabilidade, no Colégio Oswaldo Cruz. No período noturno, já estava trabalhando para custear seus estudos e contribuir no orçamento doméstico. Como ainda não existia Faculdade de Direito pública, em 1971, ingressou no curso noturno de Direito da Faculdade Dom Bosco, de Campo Grande.
Quando concluiu o primeiro ano, imaginou que poderia encontrar melhor formação e oportunidades em Curitiba. Sendo assim, transferiu-se para o curso de Direito noturno da Universidade Católica, ingressando na mesma turma em que estudavam Antônio Renato Strapasson, Laertes Ferreira Gomes, Lauri Caetano da Silva, José Augusto Gomes Aniceto e Paulo Roberto Vasconcelos, os quais também se tornaram desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
Mais tarde, complementou sua formação acadêmica com especializações na área do Direito Administrativo e Constitucional, na Escola da Magistratura do Paraná e em Sociologia Política, na Universidade Federal do Paraná.
Durante o curso, Maria Aparecida residiu no LAC - Lar da Acadêmica de Curitiba, uma casa de estudante universitária autogerida que, até os dias de hoje, ajuda a viabilizar a formação superior de jovens carentes. Ela trabalhava em período integral no Departamento de Relações Públicas da Prefeitura de Curitiba, exatamente no período em que a cidade implantava seus projetos inovadores de cultura e transporte público.
Naquele Departamento, conviveu com jornalistas, escritores, cineastas e até com celebridades nacionais que se apresentavam no Teatro Paiol, como Vinicius de Morais e Nara Leão, contatos que ampliaram o seu interesse pela cultura brasileira.
Apesar da repressão e da censura, na primeira metade dos anos 1970, Curitiba abrigava uma vida cultural muito intensa, que incluiu os primeiros movimentos pela emancipação feminina trazidos em um espetáculo denominado “Homem não entra”, escrito pelas pensadoras Heloneida Studart e Rose Marie Muraro e protagonizado por Cidinha Campos. As autoras e o elenco da peça ficaram hospedadas no LAC e as conversas com elas certamente ajudaram na construção da consciência social da jovem estudante.
Maria Aparecida deixou de trabalhar na Secretaria de Relações Públicas e Imprensa da Prefeitura Municipal de Curitiba logo após sua formatura, no final do ano de 1975, e iniciou sua atuação profissional em um escritório de advocacia. Em seguida, foi contratada por uma grande empresa comercial como assessora jurídica, na qual prestou serviços até ser aprovada no concurso público para a magistratura.
Neste período, se casou e teve uma filha, até que, no início de 1980, resolveu prestar concurso para a magistratura. Uma outra coincidência ocorreu quando um colega de trabalho de seu marido também tinha o mesmo propósito, passaram a estudar juntos e ambos, Maria Aparecida e Renato Braga Bettega, foram aprovados no concurso e tomaram posse em dezembro de 1980.
Na época, não era comum o ingresso de mulheres casadas e mães na magistratura, pois a fase inicial da carreira em uma Comarca do interior do Estado poderia dificultar a tarefa de conciliar a vida profissional e familiar. Este não chegou a ser um problema para Maria Aparecida pois, embora ela e seu o marido Paulo Rolando, arquiteto e urbanista, já estivessem construindo suas carreiras profissionais em Curitiba, entenderam que poderiam tornar possível conciliar a carreira de ambos em outra região do Estado.
Afinal, animada pelos versos da canção de Dominguinhos, “Amigos a gente encontra, o mundo não é só aqui...”, no início do ano de 1981, a família mudou-se para Foz do Iguaçu, onde iniciou a carreira como juíza substituta, época da construção da Usina Hidrelétrica Binacional de Itaipu. Naquela época, o antigo Fórum não oferecia condições adequadas de trabalho para o juiz substituto, e Maria Aparecida precisou acomodar-se na antessala do gabinete de um dos juízes titulares e adquirir a sua própria máquina de escrever.
Assumiu o cargo de juíza substituta em 15 de dezembro de 1980, quando foi designada para a Seção Judiciária de Foz do Iguaçu, com a incumbência de suprir a eventual ausência dos titulares das Comarcas de Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Medianeira, Matelândia e Santa Helena.
No período de substituição, atuou em todas as Comarcas da Seção, deslocando-se por estradas que viriam a ser submersas pelo lago de Itaipu, acompanhando o processo socioambiental que envolvia a construção da hidrelétrica e estabelecia graves conflitos fundiários que afetavam os trabalhadores rurais e as populações indígenas remanescentes. Para uma magistrada iniciante, parecia um tanto estranho o distanciamento do Sistema de Justiça em relação à violação aos princípios da Declaração Universal dos Direito Humanos praticada pelo Estado Brasileiro em nome do desenvolvimento e da segurança nacional.
Por ocasião de sua promoção para juíza de Direito, Maria Aparecida procurou uma Comarca da Região Oeste e próxima à cidade de Cascavel, onde seu marido trabalhava. Acabaram optando por Guaraniaçu, então uma típica pequena cidade de interior, de população predominantemente rural e muito apegada às tradições gaúchas. Pesou na decisão o fato de a comunidade local já estar acostumada com mulheres juízas, pois Maria Aparecida sucederia uma outra magistrada, dra. Sonia Regina de Castro, além de que residia na cidade um ex-morador da CEU – Casa do Estudante Universitário – e contemporâneo do Paulo Rolando, o que poderia facilitar o processo de socialização.
Em 29 de agosto de 1983, foi promovida para o cargo de juíza de Direito para a Comarca de Guaraniaçu. Nos primeiros meses, as pessoas estranharam um pouco o fato da casa da juíza passar a ser ocupada por uma família negra, situação inédita que, provavelmente, alimentou as conversas e a curiosidade da vizinhança.
A filha foi matriculada na escola pública na mesma quadra da residência, e o marido estabeleceu como rotina deslocar-se de ônibus para seu trabalho em Cascavel, diariamente.
Por estar em uma Comarca de Vara Única, Maria Aparecida teve a oportunidade de atuar em julgamentos de praticamente todos os temas do Direito, inclusive casos de violência doméstica e muitos homicídios, além de conduzir eleições com cédulas de papel e contagem manual dos votos.
Também eram frequentes situações que envolviam violências e abusos contra crianças e adolescentes, o que a levou a se interessar pelo debate nacional sobre a inadequação do Código de Menores então vigente, legislação mais voltada a punir e tutelar crianças pobres.
Provavelmente devido à escassez de alternativas de lazer e entretenimento, em Guaraniaçu, as sessões do Júri Popular eram muito prestigiadas pela população, e várias ocorreram durante o período de gestação do segundo filho. Em algumas delas, a juíza precisou determinar intervalos que lhe permitissem atender os horários de amamentação.
Sua promoção para a Comarca de Entrância Intermediária de Pato Branco aconteceu em 14 de setembro de 1987.
Nessa ocasião, assumiu a Vara de Família e Menores em um momento em que a cidade enfrentava situações preocupantes de crianças e adolescentes abandonados e envolvidos com práticas de delitos, muitas delas na esteira de uma onda migratória característica daquela década de 1980.
Além do município não possuir políticas públicas adequadas para atender e acolher essas crianças, adolescentes e suas famílias, o problema era tratado unicamente na esfera policial, à luz de uma Legislação antiga e anacrônica que deixava espaços para ações e tratamentos preconceituosos, discriminatórios, violentos e abusivos por parte de agentes do Estado.
O Código de Menores de 1979 manteve a mesma linha principal de arbitrariedade, assistencialismo e repressão da população infanto-juvenil do documento de 1927 e, ao invés de legislar sobre todas as crianças e adolescentes, tratava apenas daqueles que fossem reconhecidos como em "situação irregular".
Seus dispositivos estabeleciam diretrizes diferentes para as crianças e adolescentes em função de seu status social e econômico, situação que levou a promotora de Justiça Carla Carvalho Leite a comentar que no Código de Menores havia "uma clara distinção entre 'criança' e 'menor', considerando-se 'criança' o(a) filho(a) proveniente de família financeiramente abastada, e 'menor' o(a) filho(a) de família pobre."
No momento que o país tentava recuperar o atraso legislativo que dava suporte à Ditadura Militar ao ignorar as demandas oriundas dos avanços civilizatórios recentes, algumas pessoas da cidade de Pato Branco estavam promovendo debates que questionavam a doutrina da situação irregular que tutelava a infância pobre. Com elas, a nova juíza de Família juntou-se a um grupo de estudos sobre os temas que viriam a ser tratados no Estatuto da Criança e do Adolescente, procurando envolver autoridade e a comunidade local no sentido de que todos precisavam assumir responsabilidades no encaminhamento daquelas e de todas as crianças e adolescentes.
Uma das primeiras medidas práticas foi conseguir a autorização da Direção do Fórum e da Prefeitura Municipal para destinar a residência tradicionalmente destinada ao juiz para o abrigamento de crianças e adolescentes sem família. No exercício de suas atribuições não eram raras a situações que exigiam gestões junto a autoridades, hospitais e escolas em busca de soluções emergenciais para problemas de saúde, segurança e moradia trazidos à apreciação da Justiça, principalmente por pessoas pobres e desempregadas.
Devido à nova promoção, em 11 de abril de 1991, assumiu a função de juíza de Direito substituta na Comarca de Londrina, de onde foi transferida para Curitiba em 13 de maio de 1993.
Na Capital Paranaense, tornou-se responsável pelo Setor de Infratores da Vara da Infância e da Juventude no momento que era implantada a estrutura de atendimento integrado recomendada pelo Artigo 88, inciso V do Estatuto da Criança e do Adolescente. Buscava-se a integração operacional de Órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência Social, em um mesmo local, para agilizar o atendimento inicial ao adolescente a quem se atribuía autoria de ato infracional.
A proximidade física, além imprimir agilidade aos procedimentos, permitia que cada etapa fosse monitorada e acompanhada pelos responsáveis pelas demais e que, em todo o processo, as pessoas conseguissem atentar para a pessoa do adolescente e não apenas para o ato infracionais. Dessa forma, colocava-se o adolescente no centro da preocupação das várias áreas (Delegacia, Ministério Público, Judiciário, Serviço Social e Internação) que, de forma simultânea e efetiva, poderão atendê-lo, juntamente com sua família, em suas necessidades e direitos fundamentais.
A fase inicial desse trabalho esbarrou em dificuldades relativas à capacitação e comprometimento dos servidores, especialmente aqueles muito acostumados com o viés punitivista e discriminador do Código de Menores e que demoravam a incorporar o sentido das medidas socioeducativas trazidas pelo ECA.
Essa experiência profissional também levou Maria Aparecida a conviver de perto com a enorme desigualdade social e de acesso aos direitos fundamentais que condenavam – e ainda condenam – a população mais pobre às condições de vida desumanas e que roubavam da criança e do adolescente as chances de desenvolver suas potencialidades pela educação e pelo trabalho digno.
A parceria e a afinidade entre os operadores do Centro Integrado de Atendimento à Infância e Juventude conseguiram significativas melhorias no processo de apreensão, acolhimento e acompanhamento dos jovens infratores envolvidos em atos infracionais. Porém a experiência demonstrou que a maioria desses jovens era vítima de uma ordem social que os excluía sistematicamente dos direitos fundamentais previstos na Constituição.
A preocupação com as violações aos direitos humanos incorporou-se gradativamente aos fundamentos e objetivos de sua atuação profissional na Magistratura e como Cidadã, seja falando nos autos ou apoiando e participando de movimentos sociais pela igualdade racial e de gênero, pelo direito à moradia digna, ao trabalho decente, etc.
Após sua promoção para juíza de Direito substituta em 2º grau, em março de 2002, atuou em diversas Câmaras Cíveis até ser promovida por merecimento ao cargo de desembargadora em 12 de abril de 2007, atuando a maior parte do tempo na 4ª Câmara Cível especializada em Direito Público e tratando frequentemente de casos de improbidade administrativa e matérias ligadas ao meio ambiente.
Como componente da Ouvidoria do Tribunal de Justiça, na gestão da desembargadora Ana Lucia Lourenço, colaborou na elaboração de normas e procedimentos que facilitam o acesso à Justiça e a denúncia de situações lesivas ou discriminatórias nos serviços do Judiciário, e na promoção de eventos de formação e esclarecimentos sobre racismo, misoginia e preconceitos voltados aos servidores, servidoras, magistradas, magistrados e ao público em geral.
Na Presidência da Comissão de Igualdade e Gênero, integra um grupo de servidoras, servidores, magistradas e magistrados que vêm se dedicando a estudar, monitorar e propor ações concretas no sentido de combater os flagrantes desigualdades raciais e de gênero encontradas na composição do corpo funcional do TJPR. Além disso, esse grupo monitora as manifestações de racismo, machismo, misoginia e demais formas de discriminação e preconceito no ambiente de trabalho do Poder Judiciário e na prestação jurisdicional.
Com a criação da Comissão de Assuntos Fundiários, vem colaborando na mediação de processos de reintegração de posse em áreas rurais e urbanas, tanto no sentido de evitar despejos violentos quanto na busca de soluções negociadas que respeitem o direito ao trabalho, à moradia digna e à permanência dos ocupantes nas áreas em litígio.
Mais recentemente, foi designada para a Coordenação do Grupo Interinstitucional de Atenção à População em Situação de Rua (GT Pop Rua), uma parceria entre o TJPR, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Paraná, que realiza ações para a promoção dos direitos da parcela de cidadãos que vive nas ruas.
Em abril de 2014, passou a integrar a Comissão Estadual da Verdade, Justiça e Memória Teresa Urban, participando dos levantamentos, pesquisas e audiências públicas que resgataram as graves violações aos direitos humanos ocorridas durante o período de 1946 a 1988, especialmente pelos agentes da Ditadura no Estado do Paraná, inclusive aquelas que atingiram magistrados, promotores e advogados nos primeiros dias do Golpe Civil Militar em 1964.
Uma das iniciativas da Comissão foi a criação do LUME – Lugar de Memória Juiz Aldo Fernandes, localizado em uma sala do Centro Judiciário do Paraná, no prédio do antigo Presídio do Ahú, onde muitos presos políticos do Paraná e do Sul do País permaneceram durante a Ditadura Militar.
Após o encerramento das atividades da Comissão com a entrega do Relatório Final, participou da criação do Comitê de Memória, Justiça e Verdade, cujo objetivo é divulgar os achados da Comissão Estadual, dar andamento às suas recomendações e implementar iniciativas educacionais e culturais que informem a população e em especial os estudantes, sobre as violações aos direitos humanos perpetradas pelo Estado Brasileiro que abalaram a democracia no passado e que não deverão se repetir jamais.
Ao longo da carreira, Maria Aparecida manteve o interesse pelo estudo das Ciências Humanas, inclusive como aperfeiçoamento profissional, mas sobretudo para estimular seus filhos, Janaina Blanco de Lima, turismóloga e mestre em Turismo e Hotelaria, e José Adil Blanco de Lima, historiador e doutor em História.”
Em 07/11/2013, foi divulgado o relatório preliminar da Comissão Estadual da Verdade do Paraná sobre Aldo Fernandes, redigido por SOTTO MAIOR NETO, Olímpio de Sá; FACHIN, Luiz Edson; e, LIMA, Maria Aparecida Blanco.
A História do Magistrado Aldo Fernandes, ainda que de forma sucinta, está registrada na obra “A História do Poder Judiciário Paranaense”, volume 2, p. 259, CURY, Robson Marques Cury, Vitória Gráfica & Editora, 2022.
Registro a minha admiração pessoal pelo trabalho da magistrada Maria Aparecida, com quem tive a honra de labutar no Conselho da Magistratura no biênio 2015/6, muito aprendendo com seus jurígenos votos.
DESEMBARGADOR ROBSON MARQUES CURY.
Desembargador ROBSON MARQUES CURY.