Magistrado Hamilton Swain
MAGISTRADO HAMILTON SWAIN
Por Desembargador Robson Marques Cury
Um dos magistrados pioneiros iniciou a carreira no ano de 1940, ao assumir a centenária comarca de Palmas. Seu nome emoldura o Fórum de Sarandi.
Eu, no ano de 1979, juiz de direito da comarca de entrância inicial de Cerro Azul, certo dia estava trabalhando no fórum, quando entrou no gabinete um senhor sorridente, olhos claros, voz de trovão, dizendo que estava ingressando com habeas corpus, apresentando-se como Hamilton Swain — magistrado aposentado, pedindo o direito de ir e vir na comarca do jovem colega, com todo o respeito. Explicou que acedeu ao pedido de sua esposa, natural do local, para construir casa e desfrutar da aposentadoria.
Tornamo-nos amigos e muitas vezes deliciei-me com as suas histórias dos tempos antigos em que exerceu a magistratura.
Sua esposa por mais de quarenta anos, Enói Renée Navarro Swain — escritora, jornalista e pedagoga — dedicava-se ao ensino. Para as crianças das séries iniciais, desenvolveu o método pedagógico que denominou de Abelhinha, publicando os livros: “A Abelhinha estuda o Paraná” e “A Abelhinha estuda a história do Brasil”. Seus capítulos eram publicados diariamente em jornais curitibanos, e, na internet, estava disponível a “Gramatiquinha à minha moda”.
Para os professores, conforme conta a filha Tânia, tinha o prazer de ensinar, através da leitura e contação de histórias. Publicou dois livros de contos. Membro da Academia de Letras José de Alencar, da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil, do Centro de Letras do Paraná e do Pen Club do Brasil, espaço destinado a reunir escritores e profissionais literários.
Helena Kolody sobre ela escreveu: “Seus livros são livros de mãe e de mestra, de mãe que acompanhou, vivendo com amor a infância dos filhos; de mestra possuidora de larga visão pedagógica e seguro conhecimento da psicologia infantil”. Nunca foi uma mãe tradicional, lia Shakespeare para as filhas pequenas. Bonecas não eram presentes comuns, e sim, cubos mágicos e brinquedos que aguçassem a criatividade das meninas. Em sua homenagem foi inaugurado o “Parquinho da Tia Enói”. Ela faleceu em 2009, aos 89 anos de idade.
Enói contou passagem da carreira de Hamilton Swain, juiz de direito que foi sacerdote:
“Dizer que era um homem íntegro, trabalhador, é pouco. Nunca deixou empilhar ‘processos’, trazia-os para casa para sentenciar e despachar à noite e aos sábados, domingos e feriados. Sempre alegre, simpático, voz forte. Quando casamos, uma amiga comentou ‘parece uma estampa’, tão bonito, com olhos verdes.
Era querido por seus colegas magistrados, pelos advogados que o respeitavam, pois seus despachos continham equilíbrio, saber e justiça. Amava seu trabalho, não se deixando intimidar por ameaças. Começou sua carreira nos idos de 1940 em Palmas, muito frio, distante da capital, com estrada precária. Fazia tanto frio, que eu e as crianças quebrávamos o gelo com os sapatos, ao meio-dia.
Nesta cidade, encontrou no fórum um processo de terras que rolava há vinte anos, envolvia grileiros, posseiros e o governo. Morávamos no hotel, pois não havia casa para o juiz e foi para lá que levou os vinte volumes da ação. Estudou-o durante muitas semanas. Na cidade, a notícia correu: Dr. Hamilton vai dar a sentença! E atrás dela a tentativa de suborno.
Vivíamos numa economia rígida, os vencimentos do Hamilton, se não me engano, 900 mil réis, pagava o hotel. Ele tinha dois ternos: um grosso de lã e outro mais leve para o verão.
Apareceu então, na cidade, um avião, vindo do Rio de Janeiro, trazendo advogados que mostraram ao dono do hotel, um maço de notas, somando muitos contos de réis. Era, na época, muito dinheiro, que daria para comprar fazendas, e disseram que sua intenção era oferecer ao juiz, para que a sentença lhes fosse favorável. O dono do hotel, que nunca havia visto tanto dinheiro, acreditava ser impossível ‘comprar’ o juiz.
Sabedor do dinheiro, o Dr. Hamilton, convocou os dois oficiais de justiça para serem testemunhas do flagrante e da voz de prisão que daria aos emissários cariocas, que avisados, tomaram o avião de volta.
Um magistrado é como um sacerdote: incorruptível. ‘Os ricos pensam que com dinheiro tudo podem, mas não há dinheiro que compre a consciência de um verdadeiro juiz’, e prolatou a sentença que foi apelada, sob o argumento da inexperiência do magistrado, mas foi confirmada pelo Tribunal de Justiça, bem como pelo Supremo Tribunal Federal.
Anos mais tarde, já em Curitiba, o Desembargador Antonio Franco Ferreira da Costa, ocupando o cargo de Corregedor, lembrou tal fato, e mostrou toda a sua admiração, por aquele jovem juiz, que apenas cumpriu o seu dever, apesar de toda a pressão sofrida.
E nos tempos de eleição, havia só dois partidos: UDN (União Democrática Nacional e PSD (Partido Social Democrático). O juiz Hamilton recebeu tantas ameaças, que dormia com o revólver carregado debaixo do travesseiro.
Certa feita, foi enviado pelo Tribunal para resolver caso gravíssimo em Bocaiúva do Sul, onde o juiz local, cercado por pistoleiros, não podia sair da cidade.
Com energia e habilidade, aliada à sua autoridade e conhecimento, resolveu o impasse, e saiu de braço dado com o juiz da comarca. O caminho foi se abrindo e ambos chegaram à Curitiba ilesos. (Com Justiça e com Afeto), Artes & Textos 1994).
Por Desembargador Robson Marques Cury