História do Judiciário Paranaense - Coronel Domingos Soares

Legenda

HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO PARANAENSE - CORONEL DOMINGOS SOARES

Por Desembargador Robson Marques Cury e Desembargador Domingos Thadeu Ribeiro da Fonseca

Tio-bisavô do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Desembargador José Laurindo de Souza Netto, o Coronel Domingos Soares dá nome ao município paranaense criado pela Lei Estadual 11.265/95.

Natural da cidade de Guarapuava, nasceu a 16 de abril de 1852. Ainda criança, mudou-se, juntamente, com seus pais, para o Município de Palmas, lá passando a residir na Fazenda São Joaquim. 

Filho do Coronel Joaquim Mendes de Souza, um dos participantes da primeira expedição exploradora dos campos de Palmas, e de Dona Cezarina Antonia de Jesus, casou-se com D. Maria Lourenço de Araújo. A filha do casal, Julia Maciel, nascida em 08-07-1895, casou-se com Antonio de Araujo, desta união advindo dez filhos.

Faleceu em 13 de março de 1928, aos 76 anos, na Fazenda Pitanga, em Palmas, município onde exercia, em segundo mandato, o cargo de Prefeito Municipal (o serventuário J. Laurindo de Souza, à altura titular do Cartório Cível, figurou na qualidade escrivão do seu inventário, processado na comarca correspondente àquela municipalidade). 

Deixou vasto patrimônio e mais de 3.400 alqueires de terras. Foi estancieiro de grande prestígio e proprietário de significativas extensões de terras (campos e ervais nativos) nos municípios hoje correspondentes a General Carneiro e Palmas, no Paraná, e em Chapecó, Santa Catarina, teve ainda engenhos de cana (produzindo açúcar, cachaça e álcool) e foi criador de gado bovino, caprino e equino, tudo de raças puras e selecionadas. Em Palmas, particularmente, dedicava-se às suas criações na magnífica estância ‘Bom Sucesso’, das maiores e mais ricas daquela região.

Descendente dos intrépidos desbravadores do sertão paranaense, cujas tendências assimilou desde os albores da juventude, o Coronel Domingos Soares pôs em relevo, bem cedo, as suas qualidades de batalhador incansável no sentido de ampliar a missão patriótica empreendida pelos primeiros bandeirantes da região em que nascera. Com efeito, dando livre expansão a seu impulso progressista, dispôs-se no firme desiderato de uma tremenda campanha contra a natureza selvagem, e, tal como Fernão Dias – sem a avidez, porém, da busca às esmeraldas –, embrenhou-se com os seus denodados companheiros de ação pelo escuro indefinível das florestas nativas, lançando por todo o glorioso trajeto, as primeiras sementes da civilização. 

Exigindo a política a sua participação, nela se introduziu pelo desejo de prestar concurso no crescente progresso do seu Município, assim fruindo das dignidades temporárias. Exerceu diferentes cargos como camarista, prefeito em dois exercícios (entre 1912/1916 e depois 1925/1928), e deputado estadual (nas legislaturas de 1908 a 1918), deixando sulcos luminosos de projetos inteligentes. Na posição de chefe supremo da política situacionista em Palmas, seu prestígio se fez sentir todas as esferas. Reuniu às suas qualidades de cidadão uma admirável magnanimidade de espírito, aliadas às suas excelentes virtudes. 

Também marcou presença no tratado entabulado para concepção de uma via de comunicação destinada a fomentar o desenvolvimento entre as localidades de Pato Branco (então pertencente à atual Clevelândia) e Santo Antônio (hoje Barracão).      

No seu primeiro mandato como Prefeito de Palmas, viu-se no dever de participar da “Guerra do Contestado”, então travada entre posseiros e pequenos proprietários de terras contra os Governo Federal (a República fora proclamada a 15 de novembro de 1889) e do Estado do Paraná e de Santa Catarina (estes então em franca disputa por limites divisórios, com desdobramentos e repercussões também no Rio Grande do Sul e na vizinha Argentina, região marcadamente rica em erva-mate e madeira).

Insurgiram-se, os revoltosos, contra a desocupação de terras a que a administração central passou a considerar devolutas, concedidas, em sequência, à Brazil Railway Company para construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (precisamente 15 km dispostos de cada lado da ferrovia).

Em meio a camponeses que se diziam espoliados, surgiram monges e outros religiosos com aspirações messiânicas, alguns dos quais operando milagres e, evocando o tempo do Império, instituindo uma espécie de governo paralelo – guarnecido por bandos armados – com autonomia administrativa própria e independente.

A pregar contra o Estado brasileiro, destacava-se, dentre eles, o monge José Maria de Santo Agostinho, um místico considerado santo milagreiro, que perambulava arrebanhando fiéis e devotos desde o oeste do Estado de Santa Catarina. Esse movimento messiânico ganhou força e volume justamente na área em disputa entre os Estados do Paraná e de Santa Catarina. Para cobro à situação, foi deslocado, à região, o Regimento de Segurança Pública do Paraná.

Sobrevieram, entrementes, desinteligências quanto ao posicionamento das tropas. O Chefe de Polícia (cargo político) pretendia fortalecer uma posição defensiva dispondo o efetivo em localidades ao derredor da área conflagrada. 

O Coronel João Gualberto (comandante militar), de seu turno, almejava carregar de pronto sobre os insurgentes, dissuadi-los, afugentar seguidores e prender os líderes respectivos. Dividido assim o efetivo, o comandante militar dispõe apenas de um contingente reduzido.

O Coronel DOMINGOS SOARES, agindo conforme cumpria ao Prefeito de Palmas, acolheu o destacamento – a 18 de outubro de 1912, nas adjacências da Fazenda São Joaquim, região do Horizonte – e providenciou assistência e provisão às tropas.

Exteriorizando o seu espírito conciliador – optando, sempre, pela mediação e pela auto-composição amigável –, o Coronel DOMINGOS SOARES intercedeu entre as partes envolvidas, capacitando-se sobre contornos e envolvências da situação em que todos se achavam. Ultimados os preparativos e alinhavados meios alternativos para a resolução do conflito, entrevistou-se, dia 20 subsequente, com o Coronel João Gualberto obtemperando, a este, fosse contido o avanço das tropas em marcha.

Inexitosamente! Incansável, todavia, na manhã seguinte tomou o rumo das hostes do Monge José Maria (compostas por cerca de 8.000 homens, todos armados e resolutos) igualmente propondo um ajuste de termos a finalizar a controvérsia. Dele ouviu votos de entusiasmada credibilidade pessoal, temperados, contudo, pela desconfiança externada quanto à perspectiva de cumprimento das mesmas condições sugeridas por parte das forças do Governo.

Esgotadas as tratativas, resultou inevitável o fatídico banho de sangue que se antevia: na madrugada de 22 de outubro de 1912 defrontaram-se os contingentes inimigos na localidade do Irani. Pertencente, à época, ao município de Palmas, foi desbravada nos albores do século XIX por colonos provindos do norte do Rio Grande do Sul. Suas divisas, outrossim, eram ainda objeto das disputadas entre Paraná e Santa Catarina, tanto que a área respectiva passou a ser conhecida, dali em diante, como “berço do Contestado”. No combate travado pereceu um grande número de militares, de um lado, e de caboclos e sertanejos, do outro.

Como trágico desfecho, o Monge José Maria e o Coronel João Gualberto também perderam as suas vidas, e suas consequências desencadearam uma imensa sensação de insegurança por toda a região. Sobreveio a indesejada intervenção do Governo Federal o que culminou por definir, de saldo positivo, a questão litigiosa entre os Estados do Paraná e de Santa Catarina.

À guisa de curiosidade histórica, o genro do Coronel João Gualberto, de nome Antonio, foi quem acompanhou a comitiva da guarnição paranaense que foi até o Irani recuperar os restos mortais desse comandante das tropas derrotadas naquele momento, e morto em combate, para remoção a Curitiba, tendo feito parada para preparação e certo velório, antes de seguir para União da Vitória rumo a Curitiba via trem, no imóvel de Palmas onde hoje funciona o restaurante “La Bella Italia”.

Nada obstante, pese embora todos o seu empenho conciliador, o Coronel DOMINGOS SOARES foi detido, nos desdobramentos, por ordem do General Cândido Rondon (comandante do destacamento de Guarapuava), sob suspeita de conluio com as forças revolucionárias.

Quando enfim liberado, recebeu, deste, um telegrama, no qual restou expresso o “pedido de excusas pelos sofrimentos moraes que experimento enquanto durou o inquérito em segredo de justiça”, pois, tratando-se de “Republicano dos mais puros, dos mais nobres do Paraná”, sentia-se rejubilado “com a população de Palmas pela restituição do seu venerado prefeito às altas funções que exerce de Governador da cidade” (sic).

Portanto, a tentativa icônica de conciliação e mediação, encetada pelo Coronel DOMINGOS SOARES visando abortar o combate fratricida, foi memorável sob todos os aspectos.

Seu descendente, o Desembargador José Laurindo de Souza Netto, inspirado pelo grande feito do seu antepassado,  prosseguiu nessa missão, exercendo labor incansável nessa seara quando do exercício da 2ª Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado Paraná (gestão2019/2020) e, segue incansável no mesmo desiderato, empunhando como bandeira da sua gestão, o princípio norteador, entre outros,  da ação estratégica visando promover a solução consensual de conflitos, na presidência do egrégio areópago.
                             

Desembargador Robson Marques Cury 

Desembargador Domingos Thadeu Ribeiro da Fonseca