Notícias

História do Judiciário: Desembargador Ruy Cunha Sobrinho

Legenda

HISTÓRIA DO JUDICIÁRIO: DESEMBARGADOR RUY CUNHA SOBRINHO

Por desembargador Robson Marques Cury

Eu o conheço desde que ingressei na carreira, ele mais antigo, sempre admirado e respeitado pela sua seriedade e competência, foi no Órgão Especial que estreitamos o relacionamento, e recordo da sua preocupação na obediência à jurisprudência para a segurança jurídica, e também no cumprimento da ordem de votação dos 25 membros daquele órgão colegiado, e sempre dizia aguardar o momento de ser chamado a votar e evitar adiantar o seu voto para não influenciar os demais julgadores. Estudava todos os julgamentos anteriores e rememorava nominalmente como cada um tinha votado. Costumava citar no fundamento de seus votos o pensamento do imperador romano Júlio César referindo-se à sua segunda esposa Pompeia Sula: “À mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. 

Em depoimento áudio visual prestado em 2019 à jornalista Daniele do TJPR para a “História do Judiciário” rememorou: 

 

“Na minha família, o direito é bem antigo, desde o meu avô que foi advogado e político, o mesmo aconteceu com o meu pai. Ao entrar na faculdade já pensava em ser juiz, e tive dois ídolos, na convivência do meu pai advogado com os magistrados Ossian França e Sidney Dittrich Zappa, depois desembargadores, e os tinha como modelos de juízes a seguir. Estudei muito sendo aprovado no primeiro concurso, e advoguei por dois anos, aguardando a nomeação que ocorreu para o cargo de juiz substituto da comarca de Cianorte na época com dez municípios e assumi nas férias forenses dos titulares Tércio Bastos Melo e Jair Ramos Braga. Muito trabalho inclusive ações trabalhistas. Nunca tive receio de trabalhar e pretendo prosseguir até os 75 anos. Entendo que para ser juiz é necessário vocação e bom senso. Sempre julguei de acordo com consciência, e nunca deixei de dormir um dia por achar que julguei errado, pois sempre procurei a justiça dentro do bom senso. Fato inusitado que aconteceu na minha carreira, quando atuava na vara criminal de Cascavel, foi a decretação da prisão preventiva de dois policiais civis, que depois me ameaçaram de morte. No mais a carreira foi linear dentro da normalidade. Na 1ª Câmara Cível aprecio decidir os casos de responsabilidade civil. A grande diferença entre juiz e desembargador é praticamente inexistir audiências, e a estrutura de assessoria. Não imaginava o atual porte do Tribunal, quando ingressei a Corte tinha uma câmara criminal e três câmaras cíveis. Conhecia todos os desembargadores, hoje nem conheço os desembargadores mais novos. O que me dá alegria é o pedacinho de terra nos campos gerais que herdei da família, adquirido pelo meu bisavô há 150 anos, onde construí casa e tenho cavalinhos, e lá passo os finais de semana. Gosto de música:  jazz e erudita. Aprecio leitura. Não passa um dia que não faça exercício físico pela manhã. Sou movido a exercício: pilates, natação, caminho no parque, ando de bicicleta. Se não fizer passo mal. O que mais me traz prazer, é o cinema, sou fanático. Uma vez por semana, sempre que possível, vou ao cinema. Gosto de filmes japoneses, europeus (francês), turcos. Meu filme preferido é Casablanca.”  

     

De fato, seu bisavô foi o Coronel Domingos Cunha, chefe político de Campo Largo. E o avô Eurides Cunha formou-se em 1892 pela Faculdade de Direito de São Paulo, exercendo a advocacia por pouco tempo em Jaguariaíva, pois preferiu seguir a carreira política, elegendo-se deputado estadual em 1910, depois prefeito de Jaguariaíva em 1916.  

Pelo Partido Republicano Paranaense, foi eleito primeiro vice-presidente do Estado do Paraná, na chapa do presidente Caetano Munhoz da Rocha e exerceu a presidência, interinamente, em duas oportunidades: de 01 de maio a 26 de junho de 1921 e de 01 de junho a 21 de setembro de 1923. 

Em 1925 foi eleito deputado federal e em 1928 convidado, por Affonso Camargo, a ocupar a prefeitura da cidade de Curitiba, exercendo o cargo de prefeito entre junho de 1928 a 03 de outubro de 1930, saindo por força da Revolução de 1930. 

 

Por ocasião da sessão de 11/04/2022 do Órgão Especial, o desembargador Arquelau Araujo Ribas assim se manifestou: “Senhor Presidente. Quero prestar homenagem ao desembargador Ruy Cunha Sobrinho que está se aposentando. Trabalhei com ele na antiga Seção Cível e no próprio Órgão Especial, onde sempre procurou preservar jurisprudência coerente, estável e íntegra. Na verdade excelente magistrado que fará falta. Sempre honrou a toga que vestiu. Quero dar parabéns ao des. Ruy Cunha Sobrinho, forte abraço e desejar-lhe uma vida longa”.  

Em seguida, eu usei da palavra: “Senhor Presidente. Quero aqui acompanhar o desembargador Arquelau Araujo Ribas. Já se antevê uma lacuna que dificilmente será preenchida com a aposentadoria próxima do desembargador Ruy Cunha Sobrinho. Ele foi um norte neste Tribunal de Justiça. especialmente neste colendo Órgão Especial. Sempre nos miramos no trabalho e no estudo que o des. Ruy Cunha imprimia em todos os seus julgamentos. É uma marca significativa de atuação. Fica aqui o sentimento de perda e ao mesmo tempo sentimento de felicidade pelo seu grande trabalho em prol do judiciário paranaense”.  

Na sequência, a desembargadora Vilma Régia Ramos de Rezende disse: “Senhor Presidente. Quero fazer minhas as palavras do des. Arquelau e do des. Robson. O des. Ruy é meu colega de infância. Estudamos juntos para o vestibular. Sempre fomos muito ligados e muito amigos. A carreira dele foi impecável. É um exemplo de magistrado. Com certeza fará muita falta”.  

Encerrando, o presidente, desembargador José Laurindo de Souza Netto, ao referir a biografia do des. Ruy Cunha Sobrinho, expressou que sempre atuou com muito brilho, esmero, dedicação e imparcialidade, tanto na primeira instância como neste Tribunal, onde exerceu a judicatura com liderança, fundamentos sempre apropriados, buscando a melhor jurisprudência firme e coesa. Apresentou, desde logo, suas saudações a esse grande magistrado, e anunciou que oportunamente relatará o processo de aposentadoria. 

 

E na sessão de 12/04/2022 da 1ª Câmara Cível, presidida pelo des. Salvatore Antonio Astuti, o relator des. Ruy Cunha Sobrinho julgou o seu último feito recursal pautado, com sustentação oral pelo advogado Tobias Barreto, e participação dos vogais des. Lauri Caetano Silva e Guilherme Luiz Gomes. 

Em nome dos integrantes do órgão fracionário, o des. Vicente Del Prete Misurelli pronunciou memorável discurso: 

 

“Eu recepciono pela força do afeto, a todos que aqui vieram. Eu recepciono a todas que aqui vieram, pela força do meu afeto. Mas recepciono principalmente aquilo que se tornará eterno. Anuncio a presença entre nós de Catalina e Joaquim, que serão a força do saber e do amor de seus pais e dos seus avós. 

Este é o tempo que me pertence.  Esta é a sua obra que hei de realizar. Quando olharmos o amanhã, sua obra será eternamente lembrada. Des. Ruy Cunha Sobrinho, hoje e em todos os seus 48 anos de trabalho no Tribunal de Justiça do Paraná, seu julgar servirá de pedagogia à instituição que sempre dignificou. Nós todos nos engrandecemos com o contato diário. Um nome, uma vida, nenhum reparo a se fazer. Certificado de honestidade e conhecimento. Em força gratuita, com palavras e textos marcantes, sua conduta nos impõe reflexão. Senhor presidente, colegas magistrados, senhor procurador de justiça, senhores advogados, senhora secretária. Em especial, Senhora Vera Grace Paraná Cunha que também se retira para agora o laser. Queridos Diego e Guilherme, netos e família. Querido Desembargador Ruy Cunha Sobrinho. É espaço de honra para mim, por delegação de meus colegas, de estar diante de sua carreira e de sua obra para saudá-lo neste dia, que jamais será outro. Sua vida em nossa instituição é marca pura e gloriosa, paradigma insuperável. O tempo, sim, o tempo jamais esquece, ele aquece a memória. Volto há décadas atrás, em vara criminal neste mesmo Palácio de Justiça, minha orientadora espiritual e profissional, a minha tia Carmen Misurelli Palmquist apresentou-me o Dr. Rui Cunha, promotor de justiça daquela vara. Eu estava por começar a faculdade de direito. O tempo, o tempo é a linha que costura a vida, vida refletida. Lá no tempo antigo, meus primos Lourival e Sônia, moradores de Cianorte, comentavam que lá chegou o juiz novinho, que vê diferente e que julga de forma própria. Ele lá, Ruy Cunha Sobrinho, ele cá desembargador Ruy Cunha Sobrinho. Esta Corte é sim devedora, devedora por sua dedicação, por sua atenção aos processos. A justiça realizada. Sabedoria oferecida. E honra jamais maculada. Nós, colegas de instituição, da 1ª Câmara Cível, agradecemos o convívio e a oportunidade da genialidade. Na 15ª Câmara Cível, apresentado pela Tia Carmen, conheci o juiz Josué Deininger Duarte Medeiros, e depois Regina Medeiros no Tribunal de Alçada. O que não é o tempo e o que não é a vida. Em momento próprio, depois fiquei na mesma casa em que Rui e Vera ficaram na África e depois em Burkina Faso fiz trabalho voluntário por três meses graças à atuação de Josué e Regina junto à filha Ana Letícia. Andamos, portanto, na mesma casa. E no mesmo tribunal. Temos essa particularidade. E sigo, porque seguir é a imposição da vida. E encerro, afirmando que o passado muda, e o que muda no passado, mesmo que não entendam, é muito maior do que nossas lembranças. Sempre estará posicionando em atenção, mostrando novas linhas, novos pensamentos, o passado plástico, moldado, preparador do novo amanhã. Sua obra, insisto, neste tribunal, como tocada por Fernando Botero das esculturas fenomenais, pois a sua obra neste tribunal assim deve ser vista. Produção intelectual máscula, maiúscula, de grande volume, fruto da visão enorme e única, dos homens, dos fatos e das coisas, escritos próprios, elencando a dimensão do momento social, em sentenças, em acórdãos, que rejuvenescem o saber, o desembargador Ruy Cunha Sobrinho, sua vida, sua glória, seu trabalho, nossa honra. Homenageio a sua assessoria.  

Se tivesse a força de Deus, desejaria que continuasse a ser sempre como foi, sua essência é o labor da vivência pura, sua dignidade é aquela que provoca a todos buscarem. Que seja muito feliz.” 

 

Na sequência falaram, todos igualmente com forte dose de emoção: o procurador de justiça Ciro Espedito Schraiber; o filho Guilherme; 1º vice-presidente desembargador Luis Osório Moraes Panza; desembargador Gilberto Ferreira; a esposa Vera Grace Paranaguá Cunha; o presidente da 1ª Câmara Cível desembargador Salvatore Antonio Astuti, e, por derradeiro, o desembargador Ruy Cunha Sobrinho. 

Em sua fala, informal como sempre, o mestre Ruy Cunha Sobrinho pronunciou a sua derradeira fala neste areópago: 

 

“Inicio cumprimentando o presidente da sessão, e explico que o chama ‘Compare Turiddu’ pois na Sicilia todos os Salvatore tem o apelido de Turiddu, descobri isso ao ouvir a ópera ‘Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni’, e como cinéfilo inveterado ao assistir Poderoso Chefão 3 numa das últimas cenas na escadaria do teatro de Palermo é tocada essa ópera maravilhosa. Não estava programado a Vera falar, vou contar aqui um segredo, lá em casa ela é conhecida por ‘lábios que se movem’. Cumprimento a todos os familiares, meu gabinete, secretária Patrícia, Ministério Público, os colegas dessa Câmara onde foi uma delícia trabalhar os últimos anos, inclusive Fernando Zeni que é o mais antigo de todos. Agradeço as imerecidas palavras ditas sobre a minha pessoa. A tendência nesses momentos, é agir com o coração e não com a razão. Como dizia Sérgio Buarque de Holanda na sua obra Raízes do Brasil: ‘O brasileiro é um homem cordial’. Embora a dubiedade dessa expressão e muito já se escreveu sobre isso.  

Ao assumir Cianorte no início da carreira, martelava na minha cabeça a advertência de Rui Barbosa: ‘Justiça tardia é injustiça institucionalizada’. O Tribunal incumbiu-me em 1976 de substituir por uma semana a juíza de Peabiru, e ao entrar no gabinete conheci Denise Martins Arruda, depois ministra do Superior Tribunal de Justiça, que me convidou para almoçar na casa dela, e aprendi uma grande lição, quando ela colocou na vitrola disco de Wagner perguntando se gostava, e respondi que tinha implicância por ser mau caráter. Ela disse: ‘esqueça isso, releve, Wagner era gênio, você não pode misturar as coisas’. Então colocou o disco do ’Coro dos Peregrinos’, música maravilhosa. Ficamos amigos, e quando ela morreu, des. Guilherme era o presidente, e, disso sabedor, pediu-me para falar na capela do Tribunal. Tinha conhecimento das minhas limitações intelectuais, e sabia que tinha de trabalhar mais para compensar, e foi o que fiz ao longo de quase 48 anos de carreira, e julguei todos os recursos exceto 5 que a divisão não conseguiu colocar em pauta, porém os votos estão prontos, para quem me substituir aproveitar caso o deseje.  

O trabalho do juiz é hercúleo, apesar dos comentários de que juiz não trabalha, em função da Carta de 1988 que tornou o brasileiro o maior demandista do mundo como já se escreveu. Sempre dizia no Órgão Especial que a nossa Constituição tem a palavra direitos escrita 76 vezes, deveres 4 vezes, eficiência 2 vezes, produtividade 1 vez. Como um país pode avançar sem eficiência e sem produtividade. É impossível. A produtividade é fator essencial na geração de riquezas. O Brasil estagnou salvo o agronegócio. Li alguém afirmando que ter direito não molda o caráter, cumprir deveres é que molda o caráter. Espero ardentemente que a profecia de Mario de Andrade em Macunaíma não venha a prevalecer no país e que o brasileiro não seja majoritariamente aquele herói sem nenhum caráter que o Grande Otelo representou tão bem no filme de Joaquim Pedro de Andrade. Obrigado presidente e fiquem com Deus, e não nos deixaremos de encontrar na vida por aí.” 

        

A assessora Patrícia Castilho da Silva Cioccari, atuando por nove anos como chefe de gabinete, indicou-me a assessora jurídica Maria das Graças Zacharias decana por mais de vinte anos no gabinete, a qual prestou singelo depoimento: 

 

“A jornada do gabinete do desembargador Ruy Cunha Sobrinho, pelos olhos de uma servidora. 

Minha fala nesse momento é para testemunhar a integridade e o senso de justiça do Dr. Ruy (como sempre o tratamos), na condução das atividades judiciais e os trabalhos de seu gabinete, nas suas várias composições ao longo dessa jornada, que acompanhei desde o Tribunal de Alçada. 

Dono de uma acurada visão sobre sua missão como magistrado, Dr. Ruy sempre nos infundiu um elevado sentido de responsabilidade, de zelo e profissionalismo. 

A sua inteligência emocional (sua impressionante capacidade de ‘ler as pessoas’) lhe valeu uma ótima percepção sobre os diversos potenciais e características das integrantes de sua assessoria, e uma habilidade admirável em fazer com que cada profissional agregasse aos trabalhos do conjunto, segundo seus talentos, e que, afinal, o conjunto conseguisse acompanhar o forte ritmo de trabalho desse magistrado. Essa característica, aliada à dedicação das profissionais que integraram o gabinete ao longo desses anos, contribuiu para a experiência de uma assessoria motivada, produtiva e longeva, experimento um tanto raro, nesses tempos. 

Além disso, pelo caminho sempre houve um poema, a referência a um filme, uma música, alguma nota cultural. Ou o seu humor fino, agilmente sacados da algibeira para suavizar a jornada. 

Mas o fundamental a testemunhar, é o quanto a ética implacável desse magistrado, sua obstinada honradez e seu claro norte de trabalho de que ‘justiça que tarda, não faz justiça’, resultaram, ao final, no principal motivo do resguardo e proteção do próprio trabalho do seu gabinete. 

Foi uma bela jornada. Vida longa e feliz, são os nossos votos ao Dr. Ruy!!!!” 

 

O Desembargador Ruy Cunha Sobrinho tem recebido dezenas e dezenas de mensagens, em todas as redes sociais, cumprimentando efusivamente pelo aniversário de 75 anos. 

Importante registrar a mensagem do desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, sintetizando todos os cumprimentos recebidos: 

 

“E se aposenta um dos grandes nomes da magistratura paranaense: Ruy Cunha Sobrinho. Modelo de homem público, aprendi ainda mais a admirá-lo quando atuei no Órgão Especial. Para mim é um modelo de desembargador, sempre fiel aos seus princípios. Muito obrigado, muita alegria e paz nessa nova fase da vida.” 

 

É a roda da vida girando. Ciclo após ciclo. Gerações se sucedendo. Gratidão pelo exemplo e trabalho realizado. 

 

Biografia 

Ruy Cunha Sobrinho, filho de Renato Cunha e Dóris Nascimento Cunha, nasceu no dia 13 de abril de 1947, na cidade de Curitiba (PR). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, turma 1971. 

Aprovado em concurso público para juiz substituto, a partir de 6 de maio de 1975 exerceu suas funções nas comarcas de Cianorte e Londrina. Após novo concurso, em 19 de outubro de 1976 foi nomeado juiz de direito da comarca de São Jerônimo da Serra, judicando, ainda, nas comarcas de Jaguapitã, Cascavel, Londrina e Curitiba. 

Em 11 de dezembro de 1995 foi nomeado juiz do Tribunal de Alçada e, no dia 16 de agosto de 2004 foi promovido ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná. 

Casado com Vera Grace Paranaguá Cunha. Pai do Diego e do Guilherme. Avô de Catalina e de Joaquim. 

 

Por desembargador Robson Marques Cury