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Desembargador Tufi Maron Filho

Legenda

DESEMBARGADOR TUFI MARON FILHO

Por Desembargador Robson Marques Cury

Nascido em 1938, ultrapassou os oitenta anos de idade. Exerceu a magistratura de 1970 a 2008, quando se aposentou compulsoriamente aos setenta anos. Também foi professor renomado e exerceu a judicatura em diversas comarcas: Juiz Substituto na Seção Judiciária de Irati, Juiz de Direito em Paraíso do Norte, Goioerê, Paranaguá e Curitiba, sendo promovido em 1997 ao Tribunal de Alçada, onde foi eleito e exerceu a vice-presidência em 2004. Desembargador no ano seguinte com a unificação dos tribunais.

Casado, jubileu de ouro comemorado, com a professora Iara D’Albuquerque Maron, pioneira na atividade de educação especial para surdos (com leitura labial, depois com aparelhos eletrônicos de vibração), iniciando em 1981 na cidade de Paranaguá, onde foi fundada a escola ”Nydia Moreira Garcêz”.

Iara sempre acompanhou Tufi nas suas comarcas, e em Irati introduziu classe especial para deficientes auditivos. Fundaram em 1974 na cidade de Paraíso do Norte a APAE e escola com ajuda do Rotary. E em Rondon a APAE.

O pai de Iara era Luis Silva de Albuquerque, Juiz de Direito da Vara de Menores da capital por muitos anos. O Juiz Tufi também foi titular dessa vara sucedendo ao Doutor Moacir Guimarães. Localizada na Avenida Iguaçu, era composta pela área dos Menores Infratores sediada na Rua Nilo Peçanha. Em 1991, eu então Juiz de Direito Substituto fui designado para atendimento dessa vara em tempo integral e nas férias substituía o titular. Foi no início da vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei 8.069 de 13/07/1990. Enfrentei a primeira rebelião dos menores na Escola Queiroz Filho, debelada com o apoio do comandante do Batalhão de Choque da Polícia Militar indicado pelo Doutor Eraclés Messias, então Juiz da Vara das Execuções Penais.

A meu pedido, a Professora Iara prestou o seguinte depoimento, intitulado HISTÓRIA SE FAZ COM A SAUDADE:

“Família de Juiz tem que ter espírito esportivo, jogo de cintura, gostar de aventura e de emoções. Estão surpresos? Então vou relatar alguns fatos.

Em 1970, início da carreira de meu marido como Juiz Substituto da Seção Judiciária de Irati e comarcas circunvizinhas Malet, Rebouças, Imbituva e Teixeira Soares, nesta época não havia casa para alugar facilmente. Alguém falecia ou você construía, que não era nosso caso. Havia apenas uma casa para o Juiz titular da comarca, que estava habitada pelo mesmo, por isso fomos morar provisoriamente num hotel de viajantes. Era o melhor da cidade, os proprietários nos alojaram na única suíte. Como tínhamos duas crianças pequenas, era o melhor que nos podiam oferecer e nos facilitava muito as coisas, ali ficamos por oito meses. As paredes eram de madeira, sem forro no teto, e se escutava tudo o que se fazia no quarto ao lado. Mas era o que dispunha no momento.

Vida começando, o Tufi trabalhava ora numa comarca ora noutra, as crianças na escola, e eu labutando na APAE. Eu pedagoga especializada em deficientes auditivos, e como lá não havia escola para surdos, fui atender uma classe de alunos com Síndrome de Down.

Nesse período faleceu uma senhora e o viúvo Sr. Canesso concordou em alugar a casa para nós e nossas filhas. Havia apenas uma condição, a de permanecer o quadro que estava na copa. Ao nos mudarmos, curiosos constatamos que o quadro era uma gravura de Nossa Senhora do Rocio de 1898. Por nós tudo bem, a casa localizada em um morro, bem no alto de uma ladeira íngreme, sem calçamento, feita de madeira com amplas varandas laterais e com um lindo gramado verde em toda sua volta, para nós era um paraíso. Quando fomos de mudança, ganhamos o quadro, que nos acompanhou por todo o interior e até hoje está em nossa casa.

Logo no início, eu passando a semana só com as meninas, pois o Tufi estava atendendo Malet. Sozinha passei algumas noites sem dormir, pois escutava barulho de passos em volta da casa e também arrastavam alguma coisa nas paredes. Minha vizinha que sempre ia levar leite todas as manhãs notou que eu estava abatida e perguntou se tinha algum problema. Relatei minhas agruras, meus medos, e que algumas vezes encontrava despachos com frango, bebidas e velas, no portão da garagem, além de vozes noturnas. Ela explicou que os passos eram das vacas que ficavam andando no terreno ao lado. E os gansos também ficavam soltos e arrastavam as asas nas paredes. As vozes eram dos alunos que saiam da aula noturna de colégio próximo, e os despachos apareciam porque o portão da casa ficava numa encruzilhada. Nunca mais perdi o sono, mesmo na noite em que um larápio entrou e roubou tudo que encontrou no quintal, pois não me importei com o barulho, pensando que fossem as vacas e os gansos.

Também foi em Irati que iniciamos a reunião dos Juízes da região. Após sorteio, a reunião acontecia em outra comarca. Assim nos encontrávamos com as famílias. Era um dia muito animado e com histórias, já que a maioria das estradas era sem asfalto. No início, além dos Juízes de Irati, participavam os magistrados de Rebouças, Malet, Teixeira Soares e Imbituva. Em seguida os Juízes de Prudentópolis, Ponta Grossa e São Mateus do Sul. Vivenciamos muitas histórias divertidas. Deixamos amizades sinceras cultivadas até hoje. Tenho muito orgulho de ser cidadã honorária dessa terra hospitaleira e também por ter deixado uma sala de atendimento para crianças surdas.

Em 1974 Tufi foi promovido para titular da comarca de entrância inicial de Paraíso do Norte, um pontinho no noroeste. A despedida dos amigos é sempre triste, pois participávamos ativamente de todas as atividades da sociedade. O Senhor Romeu, na sua sabedoria, nos consolou: Chegando lá verifiquem sem tem emblema do Rotary Clube na entrada da cidade. Se houver, tem Casa Pernambucana, e então a cidade não é ruim. Ele tinha razão, após doze horas de viagem, chegamos num calor de trinta e oito graus, e na entrada da cidade estava o obelisco com o emblema do Rotary e a frase: “Sejam bem-vindos a Paraíso do Norte”. Cidade pequena, com povo trabalhador, acolhedor, gentil e atencioso. Não mediram esforços para nos ajudar, já eram três filhas. Foram quatro anos ótimos, apesar de ter falecido a caçula. Elas aproveitaram tudo que uma criança gosta. Foram sinhazinha, cinderela, boneca viva, anjo de procissão, participaram da coroação de Nossa Senhora, pintura de rua para a procissão de Corpus Christi, porta bandeira em desfile cívico, além de aprender a andar a cavalo e fazer piquenique.

Nessa cidade deixei outra filha muito especial: a APAE, uma escola para crianças excepcionais que se tornou referência no noroeste do estado. Com o apoio do Rotary Clube e da comunidade criamos a festa das nações visando angariar fundos para construir a escola. O terreno foi doado pela prefeitura. Fomos à luta. A festa era em agosto, na semana do excepcional. Em julho, nas férias, viemos para Curitiba visitando os consulados de Portugal, Espanha, Japão, Alemanha, Síria e Líbano (Árabe), e Secretaria de Educação, levamos material de divulgação e trajes típicos para exposição. A festa foi um sucesso. Veio gente de toda a região e com o que arrecadamos começamos a construção. Em dois anos de campanha a escola estava inaugurada. Também contei com a ajuda do meu pai, que arrecadou muitos brindes para os leilões com seus amigos empresários da capital. Com isso outras cidades que tinham as APAEs inoperantes nos pediram ajuda e proferimos palestras mostrando nosso trabalho com a comunidade, pois se a sociedade não se envolver nada vai em frente. Recebi o diploma de “Pioneira na Educação Especial”.

A promoção de Tufi Maron para a entrância intermediária aconteceu em 1978. Em Goioerê foi rápida a passagem, somente um ano. Aqui nasceu nosso filho homem. Cidade movimentada. Encontrei a APAE e a escola desestruturada. A diretora leiga entendia que as crianças não tinham direito a nada. Com muito trabalho e gestão junto com as professoras especiais perante a Diretoria da APAE, a Inspetora de Ensino e o Departamento de Educação Especial, conseguimos transformar o depósito de crianças em uma escola especial.

Em 1979 ocorreu a remoção para a intermediária de Paranaguá. Cidade litorânea, com raízes da família Maron. No início foi difícil sem trabalhar na APAE por ser escola municipal sem convênio com o estado. Fui locada na inspetoria de ensino. Depois de alguns meses apareceu pessoa com filho surdo pedindo sua matrícula, e o reconheci como meu ex-aluno em Irati. Tratei de achar uma sala disponível em escola estadual e montei uma classe especial. Aí foi o começo do atendimento de crianças surdas em Paranaguá. Tivemos de montar mais uma classe já que o número de crianças foi aumentando. Atualmente tem uma escola só para elas. Em Paranaguá realizei meu sonho, desfilei em escola de samba. Na ala das baianas assustei quem assistia ao desfile, sem acreditar que a mulher do juiz desfilava na avenida. Não só eu como meus três filhos, em alas separadas. Quebramos o tabu de quem desfilava era só periferia. Cartolas de prata. No ano seguinte a escola explodiu com componentes de todas as camadas sociais, juntando-se a nós e brincando o melhor carnaval com alegria, respeito e admiração. Muitos carnavais desfilamos e ganhamos. Nessa terra nossas filhas desfrutaram da adolescência sadia, comemorando os quinze anos, com direito a festa de debutantes. São as boas lembranças que jamais esquecemos apesar das dificuldades enfrentadas. Vivemos intensamente os momentos que a vida nos ofereceu. Muito recebemos, porém muito fizemos por onde passamos, aprendemos a viver em diferentes regiões do nosso Paraná, nos deram mais do que poderíamos retribuir em consideração, carinho e atenção. O tempo passa muito rápido. O tempo é o agora. Quem não sabe viver o presente, perde os encantos do saber viver.

Aqui em Curitiba também dei minha contribuição trabalhando na Escola Epheta para Surdos, e fui tesoureira da Acese – Associação dos Colaboradores da Escola para Surdos Epheta. Participamos de muitas campanhas e promoções. Ajudei a fundar a Associação de Pais e Professores do Instituto de Recuperação de Surdos e Mudos do Paraná, hoje Escola para Surdos Alcindo Fanaya Júnior, da qual fui eleita a primeira presidente. Também integrei o Clube Soroptimista Internacional Curitiba Batel, e exerci a presidência.

Hoje posso me considerar uma pessoa realizada ao lado do meu marido. Amigos cultivei e os tenho até hoje, plantei árvores, construí escolas. Temos filhos maravilhosos e netos lindos. E estou participando da História do Judiciário Paranaense. Recordar é viver ! Viver é sentir saudades ! A saudade é a nossa história.”

Assim finaliza a professora Iara D’Albuquerque Maron com incontida emoção.

Arrematando, cabe realçar que a filha Karla – pedagoga – seguiu a carreira da mãe.  E a filha Margarida – Assessora Jurídica – e o filho Tufi Maron Neto – Advogado –, operadores do direito, foram influenciados pelo pai.