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Oito juízes, oito presos, dezesseis histórias: magistrada do Paraná participa de projeto literário pioneiro no país

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OITO JUÍZES, OITO PRESOS, DEZESSEIS HISTÓRIAS: MAGISTRADA DO PARANÁ PARTICIPA DE PROJETO LITERÁRIO PIONEIRO NO PAÍS

Juíza paranaense é a única representante do estado na coautoria do livro

Oito presos escreveram oito histórias, e, a partir delas, oito juízes escreveram oito reflexões sobre o cárcere e a vida. O livro Prisioneiros e Juízes: Relatos do Cárcere, da Editora Giostri, lançado oficialmente em todo o país na última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), tem 16 pequenas crônicas e é prógono em estabelecer um diálogo franco entre Poder Judiciário, sociedade e a comunidade intramuros.

Prisioneiros foi concebido da parceria entre a Giostri e João Marcos Buch, uma das principais referências em Direitos Humanos no cárcere do país e titular da Vara de Execuções Penais de Joinville, em Santa Catarina. Magistrado e editora mantêm na Penitenciária Industrial da cidade um programa de construção literária que já deu origem a três livros. Os oito presos dessa edição estão sob a custódia da caneta de Buch, que, desta vez, não colaborou textualmente – ele tem outras obras publicadas na mesma companhia sobre a experiência de lidar com pessoas atrás das grades.

O magistrado chamou oito colegas para o projeto: Fernanda Orsomarzo, da Vara Criminal de Quedas do Iguaçu (PR); Luís Carlos Valois, titular da Vara de Execuções Penais do Amazonas; Kenarik Boujikian, juíza de Direito de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; Luiz Carlos Rezende e Santos, da Vara de Execuções Penais de Belo Horizonte; Marcelo Semer, juiz do Poder Judiciário de São Paulo; Júlio Cesar Machado Ferreira de Mello, juiz do Segundo Grau do Tribunal de Justiça de Santa Catarina; Gerivaldo Neiva, juiz de Direito da Bahia; e Paulo Augusto Oliveira Irion, titular do 1° Juizado da 1° Vara de Execuções Criminais de Porto Alegre.

A paranaense é a única representante do estado na coautoria do livro. O seu texto e o relato que recebeu do preso catarinense coincidem num único fio condutor: o fundo do poço.

“O protagonista da história que recebi é o próprio detento. Senti que é um relato sincero. Ele olha para trás, admite os próprios erros. Mas também senti que ele quer deixar uma mensagem de falta de oportunidade. Começa num tempo no passado, com ele explicando que não teve um pai ou uma figura paterna para se apegar. A mãe nunca tinha falado do pai, por exemplo. Logo depois ele foi adotado por uma outra família, que o criou. Essas pessoas tentaram dar condições mínimas para ele, mas ele acabou enveredando para a coisa errada. Foi em direção ao buraco, por isso a história gira em torno do fundo de poço”, conta.

O texto, lembra a magistrada, a fez recordar da primeira vez que pôs os pés numa prisão, há três anos. “Um lugar úmido, que cheirava mal, totalmente degradante.”

As memórias, então, se entrelaçam. “Ele me relata na história que está preso porque cavou esse destino. Eu chego a uma conclusão parecida, mas sob outra ótica. Todos estamos juntos com ele nesse fundo do poço por conta de todo esse histórico que compõe o sistema prisional, de segregação. O fundo do poço é a falta de oportunidade, que esconde também a falta de estrutura familiar. E diante disso a gente vai empurrando as pessoas para os cantos, para as prisões. É um jogo de empurra-empurra dos Poderes Legislativo, Judiciário, Executivo, Ministério Público. Empurramos responsabilidades, empurramos a guerra às drogas, os jovens primários. Na minha analogia, estamos juntos nesse fundo do poço.”

Orsomarzo se destaca há alguns anos na luta por Direitos Humanos e Justiça entre magistrados paranaenses. Em setembro do ano passado, ela postou no Facebook uma reflexão sobre mérito e condição social que acabou viralizando em todo o país. Na época, ela era juíza eleitoral na comarca de Grandes Rios, no norte do Paraná. “Todos têm suas lutas e histórias de vida. Todos enfrentam dificuldades e desafios. Porém, enquanto para alguns esses entraves não passam de meras pedras no caminho, para outros a vida em si é uma pedra no caminho”, escreveu.

Foi justamente essa visão que tem sobre o Poder Judiciário e a balança da Justiça que a levou ao encontro de João Marcos Buch. “Ele é um juiz que tem fama pela defesa das causas humanas, um juiz extremamente preocupado com a ressocialização. Acho que nos conhecemos pelo interesse em comum pelos projetos que acontecem sob a sua jurisdição”, conta Orsomarzo.

Para o juiz de Joinville, o projeto é um encontro entre a prisão e a sociedade. “O projeto desse livro é voltado para os próprios presos, mas é possível ver o quanto ele impacta as pessoas do lado de fora. Conforme os dias vão passando, nas oficinas, os presos vão assumindo novas personalidades. Muda o vocabulário, eles vão adquirindo experiência, compreendem a situação que antecedeu a prisão. Dá mais clareza para eles retomarem a vida. Eles têm algo a contar, algo a eternizar. Dá pra sentir que com a literatura eles tomam as rédeas da própria vida”, conta Buch.

“Mais destacado é o reflexo que tem na comunidade, nas discussões. As pessoas que leem, os apaixonados por literatura, começam a perceber que os presos também leem, inclusive os mesmos livros, que eles gostam ou não desses livros, e escrevem tanto quanto os demais escritores. A ética começar a mudar. Aqueles arquétipos sobre o sistema penitenciário começam a se modificar.”

De acordo com o magistrado, a Editora ainda vai lançar Prisioneiros e Juízes: Relatos do Cárcere em São Paulo e Joinville. Ele já pode ser adquirido pelo site.

Texto e Fonte: Conselho da Comunidade de Curitiba.